Um romance divino - Fernando Araújo

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26/01/2010

Um romance divino - Fernando Araújo

26/01/2010
Um romance divino - Fernando Araújo

Publicado no Diario de Pernambuco - 26.01.10

fernandojparaujo@uol.com.br

Sabe-se que o romance, enquanto gênero literário, representa a arte da palavra escrita. Pois bem, Frei Betto, com o seu novo livro, Um Homem Chamado Jesus (Ed. Rocco, RJ,2009), acaba de comprovar que é um dos mestres da literatura contemporânea. De fato, trata-se de obra com impressionante expressividade e força, por mostrar, com criatividade, um personagem comovente, que soube expor as contradições de uma época. Como obra narrativa em prosa, conjuga fatos imaginários com a história verdadeira, porém tudo com inspiração na figura de Jesus, abordada com profundo conhecimento e competência. Ou seja, o ambiente psicossocial daquela época. Aproveita os personagens para fazer uma magnífica crítica social. Têm razão os editores ao dizerem na apresentação que se trata de obra voltada para quem está interessado em estudar as riquezas dos Evangelhos. É verdade também, como dito na chamada da contracapa, que o romance é rico em detalhes históricos, e que a obra,contextualizando a vida do Nazareno na Jerusalém daquela época, é atualizada com perfeição para os nossos dias. E tudo com absoluto primor estético. Por isso, não é livro apenas para despertar o interesse de católicos e judeus, mas para todos aqueles que buscam enriquecer os estudos sobre os povos antigos, seus costumes e filosofia de vida. As profissões, atividades, a geografia. O direito então vigente nas diversas regiões e o relacionamentos dos vários ordenamentos jurídicos, inclusive o canônico, tendo o de Roma como hegemônico. As religiões, as diferenças entre elas e a convivência recíproca de suas diferentes liturgias. O autor também demonstra que estudou a flora e a fauna do ambiente objeto de seu trabalho, pois fala com desenvoltura dos animais, da culinária e das preferências alimentares das muitas classes sociais.

No campo psicossocial, mostra que as mazelas políticas são antigas: nepotismo, corrupção, sede de poder, intrigas palacianas e mistura de poder e sexo. No centro de tudo, a figura de Jesus, pleno de amor e com seu programa libertador, consubstanciado nas práticas cotidianas. Mais humano do que divino, que reconhece em cada pessoa, independente da crença, raça, saúde, sexo, condição social etc, a morada de Deus vivo. Betto mostra um homem que não só denunciava a impostura, a cobiça e as injustiças, como procurava ele próprio dar exemplo através de uma vida humilde e de abnegação. A sua pregação era, sobretudo, em torno da questão social, das desigualdades. Ele e seus discípulos cuidavam de féretros de crianças e sustentavam os desprotegidos, preocupações, pois, que iam além do lado religioso, e que mostram a face do seu humanismo, o do amor preferencial pelos mais necessitados. Assim, mesmo tendo seguidores entre os afortunados e doutores, fez sua base entre os pobres - carpinteiros, pescadores, construtores de tendas etc. Se a filosofia tinha sido contemplada com uma grande obra( O Mundo de Sofia - romance da história da filosofia, de Jostein Gaarder), agora foi a vez da religião. É isso.

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