Um "doente" e não um "monstro" - Roque de Brito Alves

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20/04/2009

Um "doente" e não um "monstro" - Roque de Brito Alves

20/04/2009
Um "doente" e não um "monstro" - Roque de Brito Alves
1 - O engenheiro austríaco Josef Fritzl que manteve a sua filha Elisabeth em cárcere privado por 24 anos, estuprando-a por inúmeras vezes, gerando sete filhos, foi condenado a prisão perpétua em 19 de março último, pelos delitos de incesto, cárcere privado, coerção e homicídio culposo (de um seu filho por falta de cuidados médicos) e sempre foi tratado desde o início do processo o ano passado como o "Monstro da Áustria" pela imprensa mundial como se não fizesse parte da raça humana. Personagem de um caso inimaginável que demonstra, mais uma vez, que a vida está além de qualquer ficção (e não "ficção além de qualquer imaginação", como sempre é dito) abalou mesmo o mundo com o impacto de seus crimes durante tanto tempo ocultando de tudo e de todos a sua "vida dupla" - ou a sua "dupla personalidade" - , com uma frieza impressionante.

2 - Pelos detalhes do caso revelados na imprensa, entendemos que em vez de ser classificado como um "monstro",seria mais correto qualificá-lo como um "doente" em termos de personalidade psicopática (não "psicótica", não é um "doente mental", um inimputável) configuradora da denominada "loucura moral". Um "louco moral" com vontade e inteligência normais - sabe o que faz - porém sob grave anomalia moral ou afetiva (um retardado ou imaturo afetivo), sem distinguir o bem e o mal, um semi-imputável passível de pena em sua profunda desordem de personalidade, perigoso, uma verdadeira ameaça à sociedade se em liberdade. Segundo a imprensa, será colocado em um estabelecimento (hospital psiquiátrico ou manicômio judiciário) para criminosos com perturbações mentais (em nosso sistema penal, seria a aplicação de uma medida de segurança - que não é pena - em um hospital psiquiátrico).

3 - Embora com algumas distinções no caso de Josef Fritzl (confissão dos crimes ao final do julgamento, reconhecimento de culpa, arrependimento pelo que fez), a sua conduta criminosa durante longos anos, a sua "frieza impressionante", a sua "dupla personalidade" que encantava os seus vizinhos ("amável, cortês") em Amstetten, Áustria, tudo está a indicar que se trata de um "louco moral" onde está ausente todo afetividade humana, compaixão, senso moral, de alguém que não sente nada em termos afetivos (tipo do "não gosta de ninguém e não quer que ninguém goste dele"), de grande perversidade com exemplos em criminosos célebres através da história da criminalidade. Crimes que são cometidos durante muito tempo e que para tal personalidade não significam nada, não sentem nada em relação aos mesmos. Em tal personalidade, é o prazer do mal pelo mal, sem a noção ou o sentimento do bem, com indiferença pela vida humana de um egoísmo exacerbado. Em sua ação criminosa não é impulsivo, age friamente, é calmo, controlado durante o seu comportamento criminoso sempre planejado cuidadosamente em todos os seus detalhes, em uma premeditação que revela toda a sua insensibilidade afetiva, a sua ausência de inibições morais, em sua anomalia sentimental, como se fosse uma perversidade inata ("perversidade constitucional" dos psiquiatras franceses, "imoral constitucional" dos autores italianos").

4 - Historicamente, em síntese, a partir de 1830, psiquiatras ingleses - Prichard e Maudsley - passaram a examinar e a conceituar a "loucura moral ("moral insanity") distinguindo-a da "insanidade mental" propriamente dita como uma anomalia afetiva sem a anomalia das faculdades intelectuais (inteligência e vontade continuariam normais). Ou seja: tal personalidade distingue "o certo" do "errado" mas não distingue "o bem" e o "mal", é um anômalo moral ou sentimental como o austríaco Josef Fritzl.

Roque de Brito Alves é advogado e professor (jodigitacao@hotmail.com ).

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