Um país sem rosto - Arthur Carvalho

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15/07/2009

Um país sem rosto - Arthur Carvalho

15/07/2009
Um país sem rosto - Arthur Carvalho
Publicado no Jornal do Commercio - 15.07.2009

Depois da morte de Michael Jackson, um boy brasileiro foi entrevistado na TV e mostrou-se expert no finado, dando demonstrações de conhecimento profundo de sua "obra", de sua vida particular, de tudo enfim que se relaciona com o Rei do Pop. Assistindo ao programa, no conforto do meu lar, doce lar, me veio em pensamento: será que esse rapaz já ouviu falar num compositor da sua terra, chamado Sinhô? Será que ele sabe quem foi o autor do samba/maxixe Jura? O que saberá ele de Ary Barroso, Luiz Gonzaga e Zé Dantas? E já que aprecia os estrangeiros, algum bolero mexicano de Consuelo Velásquez, Ernesto Lecuona e Agustin Lara? Com certeza, não.

A propósito, quando o número mais recente do Jornal da ABI perguntou a José Ramos Tinhorão como se forma o gosto musical brasileiro, ele respondeu: "(...) A cultura popular urbana de classe média emergente, com acesso à universidade e à internet, é altamente influenciada pelos modelos estrangeiros (especialmente o norte-americano), por sua ligação com a ideia de ascensão social (o que explica a obsessão pelo novo, pelo diferente, pelo moderno, o estar por dentro, na onda, etc.) e, finalmente, a cultura oficial, de elite, representada pelos padrões adotados institucionalmente nas academias de letras, tribunais, Congresso, teatros oficiais, escolas e universidades. Assim, quando uma pessoa diz que gosta de um tipo de música e não de outro, está simplesmente indicando a faixa cultural a que se liga, na quase totalidade dos casos, por força de sua posição na hierarquia social."

Indagado se passamos a ser um país sem rosto, sem lenço e sem documento, por perdermos a identidade nacional de nossa rica e diversificada cultura, fuzila: "Nossa classe média colonizada é manipulada, sem ter a cultura necessária para perceber, pelos grandes monopólios internacionais, o que se verifica que o universal da classe média brasileira acaba sendo o regional das classes médias mais poderosas economicamente, em detrimento, volto a dizer, do que é realmente nosso e tem as cores verde-amarelas.

Depois de um certo tempo, com a continuidade do processo de dominação econômico-cultural transformado em atualidade aceita e indiscutível (“vive-se no mundo globalizado”, “acabaram-se as fronteiras”, “o importante é a música ser boa, venha de onde vier”, “as influências sempre existiram”, “vivemos na era da informação”, “ninguém pode deter o progresso”, etc.), é só manter o fogo acesso.

Esse processo viciado e esperto - continua – atende apenas aos desejos dos conglomerados internacionais, porém ganha o conceito de real e “brasileiro” no gosto dos consumidores em potencial devidamente manipulados. Desse momento em diante, os alienados assumem inclusive uma posição de crítica a partir dos enganos aceitos e quem protesta contra esse status quo da dominação cultural estrangeira - veja o exemplo do halloween – passa a ser apontado como retrógrado, ultrapassado e xenófobo.

O que sabe o nosso boy entrevistado, tão informado sobre Michael Jackson, sobre as festas da Segunda-Feira do Bonfim em Salvador (para onde ocorriam sambistas de todo o Recôncavo, difundindo o samba de roda e o samba de coco), sobre o frevo, o maracatu, o bumba meu boi e os reisados de Pernambuco, os batuques do Médio Tietê de São Paulo, a origem das escolas de samba do Rio de Janeiro, o Carnaval da Praça 11?

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