Tragédias e poder público - Fernando Araújo

Notícias

28/04/2010

Tragédias e poder público - Fernando Araújo

28/04/2010
Tragédias e poder público - Fernando Araújo

Publicado no Diario de Pernambuco - 28.04.2010

fernandojparaujo@uol.com.br

As últimas catástrofes provocadas pelas fortes chuvas causaram luto a muitas famílias e danos materiais a outras. Não há quem não tenha se comovido diante de dezenas de pessoas mortas na favela do Bumba, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. A televisão mostrou o drama das pessoas cujos familiares foram soterrados naquele ambiente inadequado para moradia. Os meios de comunicação foram fundo em um problema que durante anos permaneceu quase que no anonimato: a conivência dos poderes públicos - e até o estímulo - de governantes com a permanência de seres humanos em áreas de risco, em locais impróprios para habitação. Diversos controladores do dinheiro público eram tidos como "bonzinhos" porque davam a lona para proteger o barro da água, o papelão, a ripa e o prego para fincar o barraco no solo. E assim iam vivendo as famílias "felizes", sem ao menos saber que os automóveis desses benfeitores dormiam melhor do que elas.

No Brasil inteiro são milhares de homens e mulheres morando em lixões, adoecendo em meio ao chorume e ao gás que se acumula no fundo desses terrenos. Apesar disso, entre lutar por políticas habitacionais decentes e adotar paliativos com resultados eleitoreiros imediatos, mais oportuna é a segunda opção. Esse problema é desafiador e, como tal, reclama gestores éticos à frente dos órgãos de poder, afastando os demagogos, os que fingem tomar providências. Lembro o poeta Ferreira Gullar, que escreveu indignado (na Folha de São Paulo de 18.04.2010): "Esses fatos são expressão de um tipo de política que se faz no Rio de Janeiro, mas também no país inteiro (...). É a política populista, que consiste em se fazer passar por protetor dos pobres para, de fato, enganá-los. A tragédia do morro do Bumba é apenas o desfecho trágico dessa política safada, que se alimenta do desamparo material e da ingenuidade dos menos favorecidos". Disse tudo. Na verdade, os problemas urbanos são crescentes, numa população que se multiplicou por seis a partirda década de 1950. Não vivemos mais naquele estado abstencionista dos séculos 19 e 20.

A dinâmica da vida moderna passou a exigir mais do estado a partir de meados do século passado. Ampliaram-se as funções sociais e assistenciais. A máquina administrativa cresceu em quantidade e complexidade. São inúmeras as entidades e associações privadas que exercem contínua pressão sobre os poderes estatais em busca de seus legítimos interesses. Para dirigir os tentáculos dessa imensa máquina administrativa, com menores riscos de corrupção e demagogia, é preciso recrutar gente capaz, honesta e trabalhadora. Pessoas comprometidas em defender a dignidade humana e o bem-estar dos indivíduos. Gestores que tenham consciência dos valores que orientam a sua conduta. Bobbio assevera que em momentos de crise é preciso encontrar a virtude civil, para "refrear os cidadãos viciosos, arrogantes e ambiciosos". E diz mais, lembrando que nesse ponto Maquiavel e Cattaneo encontram-se: "Sem cidadãos dispostos a ser vigilantes, a empenhar-se, capazes de resistir contra os viciosos, servir ao bem comum, a República morre, torna-se um lugar em que alguns dominam e outros servem". 

Voltar