Queixando-se ao bispo - Dayse de Vasconcelos Mayer

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06/02/2011

Queixando-se ao bispo - Dayse de Vasconcelos Mayer

06/02/2011
Queixando-se ao bispo - Dayse de Vasconcelos Mayer
Publicado no Jornal do Commercio - 06.02.2011

dayse@hotlink.com.br

O extrato bancário chegou com dados incorretos? A conta de eletricidade aumentou abusivamente? Foram observadas ligações telefônicas para o exterior jamais efetivadas? Houve remessa de encomenda pelo correio e o objeto ou documento não foi entregue ou chegou fora de prazo?

Sendo afirmativa qualquer uma das respostas, que providências deveriam ser tomadas? Solicitar os préstimos do Procon e órgãos afins, levar o caso ao tribunal de pequenas causas ou reclamar ao bispo? A última forma de protesto detém o mesmo significado do passado: espernear não adianta, já que implica perda de tempo e desgaste emocional. Até porque as grandes empresas jamais negociam ou transigem. Optam sempre pela terceirização dos serviços de advocacia. E os advogados servem-se de estagiários de direito para negociação das ilegalidades do tipo bagatela.

E os correios? Com o advento da internet eles não se atualizaram, embora se agitem sempre em luta por melhores salários. O Sedex é um exemplo. Funciona como publicidade enganosa. Dificilmente cumpre o tempo previsto.

Há dias um amigo residente no Rio anotou que havia adquirido um álbum do Calvin como prenda de aniversário do neto que reside em São Paulo. Escolheu a Amazon Books, considerada uma empresa com excesso de credibilidade. O livro não chegou ao destino e a Amazon apresentou o número do conhecimento. O contratante decidiu solicitar os préstimos de um funcionário graduado dos Correios, ainda que os escalões intermediários - segundo afirmou - funcionem melhor em tais situações. Dias depois o reclamante recebe a ligação do obsequioso amigo. Esclarecia que fora incapaz de localizar o trajeto do livro. A justificativa repassada foi indecente, embora coerente com os novos tempos: "Julgo que algum funcionário da casa apanhou a obra fascinado pela capa dura, ilustrações e cores do livro postado". Ou seja, para o gestor público é aceitável que um servidor viole uma correspondência ou se aproprie dos objetos sob a sua guarda ou responsabilidade. Convém não esquecer que a ECT é uma empresa pública. Obriga-se a indenizar os usuários pelos danos materiais e morais causados pela ineficiência ou negligência dos serviços que presta. Sem deixar de lado, como é óbvio, as questões atinentes ao sigilo, conforme determina o CDC. Mas tudo isso é conversa de livros. A prática é diferente.

A indagação central persiste: a quem apelar quando há violação do nosso direito? Em primeiro lugar, tudo vai depender do valor da causa. Brigar por míseros reais recebe tradução única: "É coisa de desgraçado ou de desocupado". É diferente quando há muito dinheiro em jogo, mesmo que a impunidade seja a regra. Este último foi o caso de uma amiga que adquiriu uma mala no Rio de Janeiro seduzida pela promoção: uma cobertura plástica com zíper e reforço nas extremidades da costura. A bagagem foi entregue à empresa aérea com a capa de proteção. Chegamos ao aeroporto do Recife pela meia noite e a bagagem na esteira era a imagem da "maja desnuda". A reclamação não funcionou. A empresa não se responsabiliza por adereços - disse a funcionária. Apenas indenizava o cliente nas situações de avarias sérias.

A mesma transportadora aérea saíra impune, há cerca de quatro anos, quando tive uma mala desaparecida numa viagem ao exterior. Voltou com a metade do recheio. O que era de valor sumiu. A queixa foi encaminhada à Delegacia do Consumidor. Não deu em nada. Por isso sugeri à minha amiga que fôssemos dormir. Doravante ela deveria levar a capa dentro da mala. Parece algo estapafúrdio? Certamente. Todavia é mais eficiente do que se queixar ao bispo. O bronqueio sequer funcionou nos tempos de dom Pedro I. O imperador estava convicto de que os vários poderes não desafiariam o poder imperial em razão dos conluios existentes na época. Restam-nos assim duas alternativas: "chutar o balde", com o significado atribuído à expressão no século 16: o suicida subia num balde, prendia uma corda no teto da sala, enfiava o pescoço no laço e deixava-se estrebuchar até morrer. Deu origem à frase "esticar as canelas". Mas é preferível insistir na luta investindo na educação. Consoante afirmava Paulo Freire, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.
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