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03/08/2009Pudores e impudicos - João Bosco Tenório Galvão
03/08/2009Publicado no Diario de Pernambuco - 03.08.2009
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Tem gente no Brasil que leva extremamente a sério a frase do Frade em carta aos Superiores Europeus, narrada em Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, que não pode existir pecado abaixo da Linha do Equador, face a sensualidade das negras e índias que andavam nuas ou seminuas, sensualidade essa ampliada pelas frutas, temperos e gestos ao andar. Tínhamos em nossas origens europeias pudor, no sentido de escondermos nosso sexo, mas já não escondíamos as mãos que roubam, matam; a língua ferina e as intenções nefastas. Em algumas sociedades, diferentes da nossa nos hábitos e costumes, não se exibem as axilas e os cabelos, embora se defeque nas ruas, em público.
As asiáticas enrubescem e desgostam dos cumprimentos osculares, têm pudores até nos apertos de mão. Os pudores variam entre os povos, raças e religiões. Em algumas conexões católicas já se teve (ou se tem) vergonha do próprio corpo conjugal, embora o casamento converta os dois, marido e mulher,num só corpo e numa só alma. Quem não já ouviu falar do lençol medieval (tinha um buraco facilitando o coito enquanto inibia a visão do (a) cônjuge). Em alguns países muçulmanos não existe nenhum pudor entre as mulheres no compartilhamento do seu homem. Em alguns países já existe o casamento aberto e o fechado. Ou seja, o casal pode convencionar a transa extramuros, contanto que não traga prole para dentro dos muros familiares, pois o cônjuge é partilhável, os bens não. O pudor que pode ser exercido no esconder do corpo ou parte dele, tem, igualmente, usos e exercícios no plano moral. É o comandante que, em honra, afunda com seu barco, é o soldado kamikase, é o sacerdote que perde a vida por sua fé, é bombeiro que morre contra o fogo, tudo atendendo ao pudor, à dignidade pessoal. E os políticos? Alguns têm, outros não. Podemos exemplificar com modelos públicos: O general Castelo Branco ordenou a um irmão que devolvesse presentes nada republicanos. Gregório Bezerra, já grisalho e quebrado pelo tempo e inúmerastorturas, não gostava da mordomia de ser chamado de senhor. Ulysses Guimarães só tinha um censor que era o respeito público. Em compensação, bem deixemos isso pra lá, pois falar mal dos outros só por detrás, como ensina o mestre Ariano, e nesta coluna é como se falássemos pela frente... Mas, salvaguardando os embora, contudo e todavia, tem muito comportamento que clama aos céus punição severa.
O cidadão é filmado recebendo toco e é noticiado no Jornal da Band, ladrão e corrupto e nada de pudor público. Os filhos, netos e agregados, aparecem em operações bancárias gigantescas, fortunas são criadas da noite para o dia, os colchões e as cuecas engordam, os escândalos são provados e nunca reprovados, pois a culpa é da imprensa. Os projetos de enriquecimento com o dinheiro público são divulgados aos milhares e novos ricos nasceram com a vocação do fisiologismo encastelado nos poderes públicos sem nenhum pudor. Imagine o cidadão comum, honrado chefe de família, sendo chamado de ladrão. Que vergonha, que mal-estarpela agressão à decência, ao seu senso de pudor. Em situações de extrema impotência diante da agressão à honestidade pessoal quantos não morreram. Entre nós, alguns se fazem de mal-entendidos, renunciam aos cargos de bolsas cheias, e os pudores vazios, são belos exemplos do triunfo da iniquidade sobre os bons costumes.