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22/04/2009Orgulho de Pernambuco - João Bosco Tenório Galvão
22/04/2009Ele tinha uma voz tímida para professor, falava, como diz o vulgo, para dentro, com a franqueza de quem dialoga consigo mesmo. Não separava sua visão pessoal do mundo de suas convicções pessoais, sobretudo as políticas. Todos os alunos, apesar de sua dicção, admiravam suas lições proferidas em aulas no curso de Direito da Unicap. Parecia desligado do mundo material, apesar do seu carro ter os bancos revestidos de plástico para preservá-los. Falando sobre o carro do professor, uma vez, ao pretender sair de casa, não encontrou o carro na garagem. Era um aerowillys zero km. Denunciou o furto à polícia e foi para Unicap lecionar. Para surpresa sua, após o cumprimento do dever, um aluno lhe pediu carona, sendo informado pelo mestre que o carro fora roubado.Ao se dirigir ao portão da Rua do Príncipe viu o carro no estacionamento reservado aos professores, onde o flanelinha informou ter lavado o carro por duas vezes, pois desde o dia anterior o carro lá permanecia. Logo nas primeiras aulas percebi a profundidade de suas preleções, sentando na primeira fila para não perder nenhuma palavra de suas tímidas falas. Ficamos amigos até hoje, quando lamento sua morte. Da amizade com ele tinha um grande orgulho, maior até do que sinto por ter sido amigo do escritor e militante comunista Paulo Cavalcanti. Lembro, ao conhecer a biblioteca da Escola de Direito da Universidade de Harvard, da forte emoção de poder manusear todos os seus livros publicados até 1968. Até fotos tirei de tanto orgulho sentido. Por falar em 1968, neste fabuloso ano nossos laços ficaram mais estreitos, pois saí candidato a vereador do Recife tendo contado com seu apoio e voto. Com a edição do malsinado ato institucional número cinco o movimento estudantil foi massacrado e os partidos políticos, na prática, extintos. Centenas de mandatos foram cassados, inclusive de políticos pernambucanos como Osvaldo Lima, Andrade Lima, Egidio, Dorany, Valdemar Borges-Deminha, entre tantos desse Brasil.
O professor me dizia: não tenha pressa você será condecorado... Em 1969, a ditadura, por injunções internacionais, quis mudar sua imagem formando um arremedo de democracia. O General Costa e Silva, então presidente, num almoço oferecido a um fantoche da ditadura portuguesa, chamou o senador José Ermírio lhe dizendo para ajudar a restaurar o MDB. O professor, fiel depositário dos livros de tesouraria e de atas do partido, para esse propósito foi convocado e se mostrou disposto a tal empreitada. O partido em Pernambuco estava esfacelado, com seu diretório regional reduzido pela metade. O senador, no afã de reconstruir, chegou com a chapa pronta. Presidente o professor, secretário geral Thales Ramalho. Insurgi-me, pois a chapa se revelava, aos meus e outros olhos, bastante conservadora.
Estabelecido o impasse, o professor servindo de árbitro, convenceu Thales a retirar sua candidatura e a aceitar a minha indicação do contemporâneo de Faculdade, hoje senador, Jarbas Vasconcelos. O professor fez história como mestre, como político e, sobretudo, como cidadão. Como mestre foi um grande incitador aos estudos, como político um grande exemplo de espírito público. Como ex-aluno do professor Pinto Ferreira, sinto a enorme perda, pois mesmo sem o convívio próximo - a vida nos impõe distâncias - tínhamos comunhão pelas ideias. Pelo carinho que sempre me dedicou, fazendo o melhor elogio de minha vida, agradeço agora, publicamente, como já o fiz pessoalmente. Era orgulho de Pernambuco e do Brasil. Que tenha o sono dos justos.
João Bosco Tenório Galvão é advogado (jbtg@uol.com.br)