Ophir alerta no TST que desigualdades no trabalho continuam grandes

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02/03/2011

Ophir alerta no TST que desigualdades no trabalho continuam grandes

02/03/2011
Ophir alerta no TST que desigualdades no trabalho continuam grandes

Fonte: Conselho Federal OAB

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, afirmou  hoje (02) em discurso na posse dos novos dirigentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que a despeito do avanço dos indicadores da economia e do emprego no Brasil dos últimos anos, "infelizmente, o traço mais marcante na área do trabalho ainda é a desigualdade: a distância entre os extremos continua grande". Ophir lamentou que, embora os indicadores educacionais tenham melhorado, isso não resultou em redução das diferenças raciais, em mobilidade salarial das mulheres - que continuam ganhando bem menos que os homens -, nem impediu a existência do trabalho escravo - chagas que  o Brasil ainda não conseguiu extirpar, observou.

Enfrentar essas questões e consolidar a credibilidade da Justiça do Trabalho é o desafio da nova gestão do TST, conforme ressaltou o presidente nacional da OAB, dirigindo-se ao novo presidente do Tribunal empossado, ministro João Oreste Dalazen, e à vice-presidente, ministra Maria Cristina Peduzzi. Citando o economista John Kenneth Galbraith, Ophir destacou que, numa sociedade justa, a expectativa de oportunidade de emprego e renda, assim como a certeza de que ninguém será deixado à míngua ou sem teto, reside no desempenho geral da economia. Lembrou que o economista  alertava que, mesmo sendo garantido o emprego, é necessária, nesta sociedade justa, uma rede de segurança para todos.

"É para isso, senhoras e senhores ministros, colegas advogadas e advogados, senhoras e senhores, que existe a Justiça do Trabalho: prover segurança nas relações jurídico-trabalhistas. Em outras palavras, conciliar capital e trabalho, permitindo o desenvolvimento com direitos assegurados", observou. Ele ainda assinalou que as cries dos ultimos anos puseram em xegue modelos econômicos tradicionais que não atentaram para a qustão social e obrigaram a novas formulações, fazendo com que até o termo "globalização" caísse de moda.

"Mas estão aí revoluções estourando em muitos pontos do planeta, sem nenhum aviso prévio, como se falassem uma só língua: a língua da justiça social, da liberdade e dos direitos humanos", enfatizou Ophir Cavalcante ao citar as recentes revoltas político-sociais em países do mundo árabe.

A seguir, a íntegra do  discurso de saudação do presidente nacional da OAB na solenidade de posse do presidente doTST:


"Senhoras e senhores,

É com muita honra que ocupo esta tribuna para, em nome dos advogados brasileiros, saudar os novos dirigentes desta Casa, que assumem seus postos em momento de transformações no cenário social, político e econômico do Brasil.

Transformações que afetam diretamente um segmento do Judiciário que superou uma série de revezes e dificuldades, de críticas e sórdidas tentativas de desfiguração, e se impôs como essencial, imprescindível até, à normalidade institucional do País.

O Brasil, dizem os números e estudos econômicos, está diante de um desafio: deixar a periferia do mundo para ingressar, finalmente, no círculo das nações desenvolvidas.

Claro que este passo não será dado de uma vez; na verdade, ele resulta de uma longa caminhada. Claro, também, que ainda há muito a fazer para corrigir desigualdades construídas por séculos de atraso - atraso de mentalidade, atraso de política, atraso de humanidade, atraso de vontade.

O mesmo atraso que em dado momento não muito distante, imaginou ser desnecessária uma Justiça do Trabalho no Brasil. Hoje, se quiser ostentar a marca do desenvolvimento, o País precisará compreender a dinâmica das novas relações entre capital e trabalho, ante o número cada vez maior de pessoas com possibilidades reais de ocupação.

Senhor Presidente, Ministro João Oreste Dolazen; senhora Vice-Presidente, Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi; senhor Ministro Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, José de Barros Levenhagen,

Todos nós queremos e trabalhamos por um Brasil desenvolvido. Todos nós compartilhamos a utopia do pleno emprego e de uma sociedade cujas necessidades básicas sejam atendidas.

Escreveu o economista John Kenneth Galbraith que, numa sociedade justa, a expectativa de oportunidade de emprego e renda, assim como a certeza de que ninguém será deixado à míngua ou sem teto, reside no desempenho geral da economia.

Disse ainda que mesmo sendo garantido o emprego, é necessária, nesta sociedade justa, uma rede de segurança para todos.

É para isso, senhoras e senhores ministros, colegas advogadas e advogados, senhoras e senhores, que existe a Justiça do Trabalho: prover segurança nas relações jurídico-trabalhistas. Em outras palavras, conciliar capital e trabalho, permitindo o desenvolvimento com direitos assegurados.

As sucessivas crises dos últimos anos puseram em xeque modelos econômicos tradicionais e obrigaram seus formuladores a revisar anotações ortodoxas. O termo globalização caiu de moda, mas estão aí revoluções estourando em muitos pontos do planeta, sem nenhum aviso prévio, como se falassem uma só língua: a língua da justiça social, da inclusão, da liberdade e dos direitos humanos. O mundo se espanta porque não identifica nesses movimentos lideranças ou ideologias tradicionais, mas sim um movimento inverso promovido pela revolução tecnológica, no sentido de uma Babel que ao invés de promover a diáspora, une todos os povos.    

Recordo aqui um episódio do passado, mas não um passado distante. Quando presidia uma reunião conjunta com o Banco Mundial, o então presidente do Fundo Monetário Internacional, o FMI, Michel Camdessus, fez um apelo aos delegados de mais de cem países presentes. O apelo foi este: "Precisamos humanizar a globalização".

Poucos dias antes, o mundo ficara chocado com a notícia de dois adolescentes da Guiné cujos corpos foram retirados do compartimento do trem de pouso de um avião comercial belga que pousara em Bruxelas procedente da África. Os jovens não sobreviveram ao frio e com eles foram encontradas mensagens que diziam: "Não temos direitos, não temos educação, não temos trabalho, não temos comida. Só temos guerras e fome. Ajudem-nos".

Hoje, ao mesmo tempo em que condena os regimes totalitários que começam a ruir como um castelo de cartas no Oriente Médio, a Europa e os Estados Unidos tremem diante da perspectiva de um êxodo em massa de trabalhadores em direção a mercados que ainda não superaram a crise de 2009. Por terra e pelo mar, milhares trabalhadores líbios tentam fugir como podem da repressão, como se antecipando um cenário no qual cobram, com juros, o tributo que pagaram durante séculos aos países desenvolvidos. Em seus rostos, podemos ver a mesma mensagem: "Não temos direitos, não temos trabalho. Ajudem-nos". 

 

Senhoras e Senhores,

A Consolidação das Leis do Trabalho, desde 1943, vem se adaptando ao novo ambiente de crescimento experimentado pelo Brasil por intermédio de leis esparsas. O próprio TST, com suas decisões e súmulas, tem proporcionado repetidos exemplos de inovações criativas no sentido de compatibilizar emprego com as necessidades mais prementes da atividade empresarial. Um exemplo foi a flexibilização no que diz respeito à terceirização, que passou a ser admitida em atividades-meios.

No entanto, é inevitável fazermos algumas considerações a respeito. Pois ao contrário do que acontece na iniciativa privada, uma decisão do Supremo Tribunal Federal definiu que o Estado não pode ser responsável pelas obrigações trabalhistas das empresas terceirizadas que contrata, quando não fiscaliza o cumprimento, pelo contratado, de suas obrigações trabalhistas e sociais.

Somente a "falta de zelo" por parte da administração pública poderá fazer com que o Estado responda solidariamente pelas empresas contratadas, conforme concluiu o plenário daquela Corte ao analisar a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16 interposta pelo Governo do Distrito Federal no ano passado.

São águas passadas, mas trago este assunto à baila com o intuito de alertar para a necessidade de novos debates acerca do papel da Justiça numa escalada desenvolvimentista que, a nosso ver, não pode mitigar certos aspectos da lei em prejuízo dos interesses dos trabalhadores.

O termo "falta de zelo por parte da administração pública", infelizmente, enseja procedimentos e apurações que muitas vezes são levados ao sabor das correntes políticas mais interessadas em livrar-se de problemas do que em resolvê-los.

E é curioso observar como, no caso do julgamento da ADC nº 16, tão logo ganhou notoriedade, diversos Estados e municípios logo aderiram, na tentativa de contribuir com o andamento do processo. Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo e Tocantins, são alguns desses entes que ingressaram no Supremo com pedido de amicus curiae.

Há que se perguntar como ficam os milhares de trabalhadores cujas obrigações não foram honradas pelas empresas contratadas por esses Estados.

Há que se questionar também a origem de muitos desses contratos, em alguns casos operando como cortina de fumaça para encobrir o empreguismo e o fisiologismo ainda presentes na administração pública.

O mesmo poderíamos afirmar com relação à Lei de Recuperação Judicial, a Lei de Falências, que tiveram alguns de seus dispositivos questionados por atender principalmente aos interesses das empresas em processo de liquidação, em detrimento da valoração do trabalho e da dignidade dos trabalhadores. Além de que o Supremo concedeu à Justiça comum a competência para efetuar a execução de dívidas trabalhistas de empresas que foram objeto de recuperação ou alienação judicial.

Na prática, pelo entendimento do Supremo, as empresas compradoras do patrimônio de uma empresa em recuperação ou falência estão isentas da responsabilidade por dívidas trabalhistas. Ou seja, não existe sucessão dos débitos trabalhistas.

A idéia, se por um lado alivia o sufoco das empresas reduzindo os seus encargos, de outro mergulha os trabalhadores na insegurança e dúvida. Esta situação nos leva a indagar se não seria o caso de se buscar novas alterações na legislação de modo a equilibrar a balança, dando ao ser humano, ao trabalhador, o peso que merece.

A assertiva segundo a qual "o Direito do Trabalho não nasceu para os mercados" tornou-se, desse modo, um mantra, e nunca esteve tão em voga como agora. Afinal, o Direito do Trabalho nasceu para proteger o trabalho.

E nossos indicadores, infelizmente, confirmam que o traço mais marcante no trabalho ainda é a desigualdade. A distância entre os extremos continua grande.

Na desigualdade por gênero, por exemplo, as mulheres ganham menos do que os homens em todos os Estados brasileiros e em todos os níveis de escolaridade.

As mulheres também se aposentam em menor proporção do que os homens, e é assustador o número de mulheres idosas que não recebem nem aposentadoria nem pensão. Isto não obstante termos uma mulher Presidente da República - ou Presidenta, como queiram.

O fato é que nem mesmo o aumento do nível educacional alcançado pelo Brasil nos últimos anos foi suficiente para superar as desigualdades raciais - outra chaga que precisamos extirpar. Os trabalhadores negros continuam ganhando salários, em média, inferiores aos trabalhadores brancos.

E permitam-me advertir para a mais degradante forma de exploração do homem: o trabalho escravo, ainda presente em muitos rincões do interior desassistido de nosso País. As vítimas são os despossuídos - homens, mulheres e crianças.

Enfrentar essas questões e consolidar a credibilidade da Justiça do Trabalho é o desafio da nova gestão do TST.

À Justiça do Trabalho é reservado importante papel, seja na constante luta pela moralização do serviço público com a correção dos desvios cometidos por administradores que malversam os recursos do Estado através do empreguismo sem concurso; seja, ainda, pela manutenção do equilíbrio entre o capital e o trabalho, zelando pelos direitos dos trabalhadores.

A Ordem dos Advogados do Brasil, por sua vez, não foge à sua missão institucional de zelar pelo Direito, de atuar de forma equilibrada, mas firme, no sentido de fazer prevalecer um único império, que é o império da Lei e da Justiça, conciliando desenvolvimento com justiça social.

Não por acaso, o Ministro João Dalazen nasceu na cidade de Getúlio Vargas, governante responsável pela introdução dos primeiros dispositivos trabalhistas, muitos dos quais sobrevivem até hoje, com nova roupagem.

Como juiz de carreira, Vossa Excelência sabe que por trás dos papéis frios que compõem um processo, está a massa humanizada que procura a Justiça do Trabalho como último refúgio.

Nesse aspecto, não podemos nos limitar à mera racionalidade da atividade jurisdicional, mas sim à Justiça com objetivo social, pois o processo trabalhista é mais rápido, simples e gratuito.

Aos novos dirigentes desta Casa, os nossos mais sinceros votos de êxito.


Que Deus ilumine a todos.


Muito obrigado". 

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