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05/05/2010O que é a verdade? - Roque de Brito Alves
05/05/2010Publicado no Diario de Pernambuco - 05.05.2010
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1 - Pôncio Pilatos (que se tornou na história - embora não fosse magistrado - um símbolo do juiz fraco que tem medo da opinião pública ou dos poderosos do dia, que não é independente ou imparcial) por mais de uma vez perguntou a Jesus Cristo, ao interrogá-lo "o que é a verdade?" ("quid est veritas?"), sem obter respostas, pois o Cristo era a própria verdade, a Verdade Absoluta diante de um juiz que não o reconhecia. Conforme São Tomaz de Aquino, Descartes, Pascal, Deus é a verdade suprema, a verdade absoluta.
Portanto, se a inteligência humana por sua própria natureza não é infalível, está sujeita a erros, à dúvidas, é limitada, conclui-se que não pode atingir a verdade ou a certeza absoluta e assim é pura utopia ou simples abstração filosófica que o ser humano possa alcançar a verdade ou a certeza absoluta, o que somente existirá no plano do Divino e não do humano.
2 - A problemática da verdade seja como proposição ou como realidade na filosofia (e particularmente na moderna Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia) é fundamental sob vários aspectos, tendo sido objeto de polêmica desde os antigos filósofos gregos até os dias atuais. Em síntese, entendemos que em tal polêmica existiriam dois conceitos opostos, extremados sobre a verdade: o sentido de que seria a conformidade do intelecto com a coisa (a realidade, "adaequatio intellectus et rei") ou então a relação da ideia de verdade com a ideia do objeto pensado ("adaequatio rei intellectus"), respectivamente na concepção aristotélica-tomista desde a Idade Média ou então a partir de Kant. A conformidade, a adequação entre o intelecto (pensamento, mente, ideia) e a realidade é em nossa compreensão a mais correta, quando o nosso conhecimento, através dos sentidos, apreende a realidade e não o contrário que a realidade é que estaria conforme o nosso pensamento, como que criada ou "mentalizada" em nosso pensamento. Especificamente ainda é válida a fórmula de Aristóteles sobre averdade: "sustentar, negar aquilo que é e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é verdade", não se admitindo outra solução ou argumentação a respeito. Ou seja: quando se afirma uma coisa (um objeto, uma realidade) como ela é, afirma-se a verdade, a proposição é verdadeira e quando se afirma ou se diz como ela não é surge o falso, a não verdade. Em síntese, a representação fiel do objeto ou da realidade no intelecto e o que se afirma do objeto ou da realidade, corresponde ao que ela é, estão unidos o pensamento e a realidade, ajustam-se intelecto e objeto. No século 20, não seria diferente a teoria do filósofo Heidegger ao proclamar que uma proposição ou enunciado é verdadeiro quando o que expressa ou afirma está conforme com a coisa enunciada ou afirmada.
3 - Assim sendo, se filosoficamente sustenta-se que o ser humano não pode atingir a verdade absoluta e que a verdade é a conformidade ou adequação entre o intelecto e a coisa (realidade), juridicamente no estrito campo da processualística penal proclama-se que a mesma busca a denominada "verdade real" (não "a formal" que existiria no Processo Civil), isto é a verdade que seria possível, que seria atingível dentro do processo, a processualmente válida. Ou seja: "verdade" em termos de conformidade ao "fato provado" demonstrado e "fato provado" em termos ou no significado de "fatos verdadeiros", reais, de evidência. Portanto, a verdade processualmente possível ou válida sempre em termos dos elementos probatórios existentes na ação penal.
4 - Ainda nesta síntese, a verdade é incompatível ou inconciliável com a dúvida a qual elimina também a certeza, pois a dúvida é um estado de incerteza, alguém é "invadido pela dúvida" hesitando entre um "sim e um não", se um fato é verdadeiro ou é falso, não podendo haver decisão judicial baseada em dúvida que se opõe à verdade e à certeza. Com a dúvida, não existe "prova".
5 - Por outra parte, filosófica e juridicamente, "a probabilidade" é a ante-sala ou ante-câmara da verdade, é como que uma presunção de verdade, "tudo indica" que um certo fato ou resultado tenha existido ou ocorrido porém ainda não é a certeza a tal respeito. Ainda, "erro" é o conhecimento equivocado que não é conforme à verdade ou à realidade, "ignorância" é ausência de conhecimento, "mentira" é a dolosa distorção ou deturpação da verdade, "meia verdade" é a sua não expressão total. Indispensável para um primeiro contacto com a problemática da verdade a consulta aos dicionários de filosofia de Lalande, Mora e Abbagnano assim como ao precioso livro "Teoria do Conhecimento" de Hessen.