O governo federal e o MP - João Humberto Martorelli

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25/02/2010

O governo federal e o MP - João Humberto Martorelli

25/02/2010
O governo federal e o MP - João Humberto Martorelli
Publicado no Jornal do Commercio - 25.02.2010

O governo Lula tem um enorme passivo em relação ao aperfeiçoamento institucional do País. A reação do presidente ao escândalo do mensalão foi o primeiro número da conta, pois, como se lembra, o mandatário maior do Brasil não apenas afirmou que os recursos girados ali eram decorrentes de caixa dois da campanha eleitoral, o que, para ele, era normal, todo mundo fazia, como também afagou a cabeça dos petistas envolvidos no escândalo. Depois, ao ver-se criticado pela imprensa, estimulou a criação de um conselho nacional de imprensa que teria como função oculta orientar o jornalismo nacional para a ideologia do PT, servindo, assim, ao mais odioso cerceamento da liberdade de informação, iniciativa que, mutatis mutandis, retoma agora no invólucro do PNDH. E mais fez ou tentou fazer contra as instituições: quer mudar as funções do Tribunal de Contas da União (TCU), porque a corte faz restrições às obras do PAC, pior, incluiu em orçamento verbas destinadas a obras que o TCU vetara, em claro desprezo à instituição, continua governando por meio de medidas provisórias, favorece aliados políticos na distribuição de verbas, e a lista de débitos vai comendo as folhas da longa planilha.

Nada se compara, entretanto, às ameaças que a Advocacia-Geral da União (AGU) fez ao Ministério Público (MP). Refiro-me à advertência que o advogado-geral da União fez a promotores e procuradores da República que entrassem com "ações infundadas" para tentar barrar licenças ambientais das hidrelétricas do Rio Madeira e de Belo Monte. De fato, dois procuradores do Pará afirmaram que contestariam na Justiça as licenças, cogitando processar por improbidade administrativa os funcionários que as emitissem, sendo ainda alvos dois procuradores e uma promotora estadual de Rondônia que processaram o presidente do Ibama por ter assinado a licença das duas usinas do Madeira, Jirau e Santo Antônio. Retoma-se a mordaça, esmaga-se a crítica, tenta-se fazer passar os projetos do governo na marra, desrespeitando-se o papel do Ministério Público (MP).

O nobre leitor deve ser esclarecido quanto à função dos dois órgãos, pois poderia supor que a AGU poderia mandar no MP, sendo perfeitamente normal a advertência. Não é. É pura prepotência. O MP é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, enquanto que a AGU é a instituição que representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Ora, do texto constitucional, extrai-se que é exatamente o contrário: ao MP, cabe defender a ordem jurídica, inclusive contra a União, quando ela o desrespeita, processando, ainda, os agentes públicos, do Executivo inclusive, que se prestarem a veicular a ilegalidade. Normalmente, a União é parte ré em processos da iniciativa do MP, de modo que, a rigor, a advertência da AGU é advertência do réu contra o acusador. É claro que esse embate entre os dois é normal, faz parte do jogo democrático e do estado de direito, mas tem que ser travado nos autos do processo judicial, a União e seus agentes apresentando a sua defesa, e pode ser até que os atos tidos como ilegais pelo MP sejam declarados legais pelo juiz. O que não se pode e nem se deve admitir é que, a pretexto de defender a União, antes do ajuizamento da ação, o representante máximo da AGU vá aos jornais ameaçar o MP, porque isso não passa de tentativa de intimidação.

O procurador-geral da República, chefe do MPF, reuniu-se com o advogado-geral da União e chegaram os dois a um entendimento, tanto que o advogado-geral declarou aos jornais que as questões relativas às hidrelétricas deixavam de ser locais e passavam a ser nacionais, sendo tratadas entre os chefes das duas instituições. O procurador-geral do MPF teria dito que os procuradores que se excedessem seriam punidos. Confesso minha decepção, pois o mínimo que esperava do chefe do MPF, em resposta à advertência, era a abertura de processos contra o Presidente e todos os envolvidos para esfulinhar de vez as teias das negociações tenebrosas do governo, a exemplo da inexplicável aquisição dos caças Dassault à França, e para coibir e punir a campanha eleitoral já aberta com as sucessivas propagandas ilegais da candidata oficial...

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