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03/02/2011O dente de Chet Baker - José Carlos L. Poroca
03/02/2011Publicado no Diario de Pernambuco - 03.02.2011
jcporoca@uol.com.br
Chet Baker nasceu num mês de dezembro. Ainda na infância entrou no campo da música e só saiu quando morreu tragicamente, antes de completar 59 anos. Músico excepcional, de 1953 a 1997, gravou mais de 100 álbuns. Estar ao lado de outros grandes nomes - Charlie Parker, por exemplo - contribuiu para que se tornasse o que foi e representou para o jazz. Pagou uma dívida de drogas com os seus dentes. Não sei se liquidou a conta. Contam que os 'cobradores' arrancaram seus dentes, sem anestesia, deixando-o banguela e inativo para a profissão durante alguns anos. Voltou a tocar e, pelo que se ouve, as interferências foram grandes no visual e pequenas na interpretação.
Também cantava, a seu modo. Já disseram que influenciou o internacional baiano João Gilberto nessa de cantar baixinho, quase sussurrando, sem perder a afinação e sem se transformar num inaudível, ao contrário do que anda fazendo essa turma que está aí: grita, mas não se ouve o canto. Não é de hoje e, quem está no ramo, sabe explicar, com outra linguagem, a associação entre o balançar, o pular, o gritar e a vontade de dizer, ainda que indiretamente, que está no mundo, que possui energia e, em poucos casos, que não concorda com isso ou aquilo - o que alguns chamam de establishment.
Chet Baker pertencia a um grupo especial. Mostrava o seu valor; de um lado, e mergulhava nas drogas, no outro. Se deu mal em pelo menos duas ocasiões, no da perda dos dentes e a morte mal explicada. Quando estava mais sereno, exprimia os sentimentos através da voz e, principalmente, através do seu trompete. Transmitia, no que interpretava, uma melancolia sonora que servia para o choro ou para o prazer, ou ambos. Mais: o som que se ouvia (e ainda se ouve pelas gravações registradas) mostram, sem dúvida, Mr. Baker como um fora-de-série, um incomum, um sem dentes com a capacidade de sensibilizar ouvidos que foram acostumados ao xote, ao coco, ao baião, ao frevo e ao xaxado.
Trazer Chet Bakerpara este espaço não foi à toa. Lembrei do meu tio Assis, que tinha bons dentes, mas que, como o músico, cometeu suicídio. Outro motivo é que começo a sentir perda de audição, como se a perda de visão já não fosse suficiente. Vão dizer que são reflexos de quem já passou dos 40, como é meu caso. Também é. Mas, cá pra nós, outros barulhos, não requisitados, estão interferindo no processo: o 'som' do trânsito, o falar alto dos humanos em locais em que metade do tom seria mais que suficiente e, principalmente, os baticumbuns misturados a milhares de watts que entram pelas nossas janelas e ouvidos. Quando a gente pensa que as coisas vão melhorar, fica sabendo que vai sair de cena o rebolation e vai entrar no palco o tchubirabirom. Não dá pra ser feliz. Volta, Chet!