O caso Sean Goldman - Arthur Carvalho

Notícias

06/01/2010

O caso Sean Goldman - Arthur Carvalho

06/01/2010
O caso Sean Goldman - Arthur Carvalho

Publicado no Jornal do Commercio - 06.01.2010

Coberto de razão estava Honoré de Balzac ao escrever sua portentosa e fecunda obra, baseada em pesquisas feitas nos alfarrábios dos tabeliães e cartórios do judiciário, nos autos das ações de separação litigiosa, sucessão e direito de família em geral. Folheando atentamente esses processos, ele obteve dados estarrecedores, em que prevaleciam os mais rasteiros sentimentos da alma humana, como, entre outros, a inveja, o despeito, o ciúme, o desejo de vingança, o ódio, a cobiça, a ingratidão, a crueldade.

Colhendo joias preciosas do vil comportamento de pessoas de todas as categorias, Balzac escreveu cerca de 50 livros, criando cenários e personagens que se tornaram imortais para concretizar uma das mais importantes carreiras da literatura universal. Seguro e consciente do monumento artístico e literário que construiu, denominou sua coletânea de Comédia Humana, esmiuçando o espírito decadente e hipócrita da burguesia francesa do seu tempo, com novelas cujos títulos falam por si só: Prima Bety, Primo Pons, Pai Goriôt, Coronel Chabert, A mulher dos 30 anos, Eugênia Grandet etc.

Pior quando o pivô das brigas e disputas familiares é criança. Porque ela passa a ser alvo e instrumento das mesquinharias e mau-caratismo dos adultos. Costumo dizer que o direito de família não é tão difícil assim. Quem complica as ações são as partes. E, muitas vezes, o advogado torna-se impedido de resolver o problema satisfatoriamente pelas reações emotivas do cliente. Já vi muito detento entrar e sair do fórum, algemado e escoltado pela polícia, em perfeita ordem. E muito escândalo, xingamentos, gritos, choros, desespero, tapas e beijos, nas varas de família. Não em vão, os processos tramitam em segredo de justiça nessas varas. Em certas ocasiões, saber o que é melhor para o menor é fácil, em outras, é difícil, em especial quando os litigantes gozam do mesmo status social, profissional e econômico, como nessa história. E cobrem a criança de atenção, ternura e afeição, discutindo sua guarda, sincera ou interessadamente.

A disputa de Sean pelo pai biológico, David Goldman, o padrasto, João Paes Lins e Silva, viúvo de Bruna Bianch, mãe de Sean, e a avó materna, Silvana Bianch, expôs o menino à curiosidade global, longa e dolorosa pendenga judicial que se arrasta desde 2004, invadindo e estilhaçando sua privacidade. E ninguém pense que a arenga já terminou. Rezam a legislação brasileira, doutrina e jurisprudência que o menor deve ficar onde ele se sentir bem. Onde for melhor para ele. Com quem lhe der mais conforto, melhor instrução, educação, assistência médica e carinho. Cada caso é um caso e deve ser analisado e decidido conforme os fatos e circunstâncias que o cercam. Nesse campo, nem tudo é previsto em lei, cabendo ao magistrado sentenciar com equilíbrio, sabedoria, equanimidade e bom senso, aplicando a justiça em sua plenitude.

Nesse affair Sean, é preferível para ele morar com o pai, nos Estados Unidos, ou no Brasil, com o padrasto e a avó? Por enquanto ninguém sabe. Talvez, nem ele próprio, na insegurança, inexperiência e ingenuidade dos seus verdes anos. Se nessa confusão toda há um forte componente afetivo (é gratificante ver um padrasto amar o enteado e o pai disputar a guarda do filho, o que nem sempre acontece), há também gincanas, manobras jurídicas e filigranas processuais procrastinatórias e recíprocas acusações, dilacerando o coração de Sean, como flecha envenenada, aumentando seu sofrimento, desconforto e perplexidade diante do mundo e dos homens.

Parece que a paixão possessiva e superprotetora da avó por Sean, numa clara transferência e sublimação de sentimentos por ela dedicados à sua filha tem sido um dos fatores complicadores para a solução do enigma. O ideal seria que Sean, já com 9 anos, tivesse deposto, no Juízo de 1º Grau, dizendo com quem gostaria de morar. E a criança pode fazer isso a partir dos 6 anos. As provas são coletadas na instância inferior, na audiência de instrução e julgamento, permitido o contraditório. Em recurso como esse, o Supremo Tribunal Federal aprecia apenas questões de direito. E nesse episódio, prevalece a Convenção de Haia de 1980, da qual o Brasil é signatário, que coíbe o sequestro internacional de menores por um dos pais, e Bruna, que residia nos EUA trouxe Sean para o Rio e nunca o devolveu ao pai. Quando Bruna morreu, Sean ficou sob a guarda fática e precária de João Paulo e sua avó Silvana, até decisão recente e monocrática do ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, caçando liminar do Tribunal de Justiça do Rio, favorável a João Paulo, e concedendo a guarda de Sean a David.




 

Voltar