O bebo - Alexandre Gois de Victor

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27/04/2009

O bebo - Alexandre Gois de Victor

27/04/2009
O bebo - Alexandre Gois de Victor
Publicado no Diario de Pernambuco - 27.04.2009

agois@siqueiracastro.com.br

Rapaz, o bebo é um negócio interessante. De início, há que se fazer dois esclarecimentos. O primeiro é que a nomenclatura correta é bebo e não bêbado. É verdade. Essa coisa de querer estabelecer o padrão culto da língua portuguesa para definir o camarada que toma todas é um absurdo. Você já viu um sujeito embotado de álcool definir-se como bêbado? Claro que não! O bebo é avesso a formalismos desnecessários. É direto. Uma flecha certeira. É, na verdade, um partidário da língua dos bares, das ruas, da noite e do violão Giannini velho com cordas gastas e pouco afinadas. O segundo esclarecimento é que o bebo é, realmente, um negócio. Não no sentido etimológico da palavra, e sim, em seu significado mais impreciso. É um negócio no sentido de ser uma coisa, sabe? Uma coisa assim meio sei lá, percebe? Enfim, o bebo é um negócio interessante. Quando o sujeito chega à condição de bebo, após a ingestão de uma quantidade razoável do chamado precioso líquido, revela-se nele uma outra persona diferente de seu eu usual. Não é persona tão nobre ou erudita quando as de Fernando Pessoa, mas igualmente lírica, pelo menos na pretensão. O bebo é antes de tudo um pretensioso. E rico também. Por que bebo que é bebo é, foi ou será, em breve, muito rico. E tem mais, o bebo também é um dos sujeitos mais sentimentais do mundo. Não pode ver um amigo dando sopa. Mesmo que com ele tenha intimidade tão somente moderada. Puxa o cara (que está, para o seu azar, sóbrio) pelo pescoço (por que bebo que é bebo não pega na mão, puxa pelo pescoço), dá-lhe uma gravata daquelas inconvenientes, olha no fundo do olho do camarada, e dispara: - Tu é meu irmão! Assim mesmo. Sem ligar para a concordância, por que bebo jamais conjuga o verbo adequadamente. Seria uma heresia. O bebo é a anti-gramática. E continua: - Eu te amo, porra! Tenha piedade, minha senhora. Perdoe-me pela jocosidade do palavrão. É que ele não é meu. É do bebo. Por que bebo que não chama palavrão é um fingido, não é bebo. Até as mais altas autoridades eclesiásticas, por exemplo, quando vão mais fundo no vinho deixam escapar unzinho. Pois bem. Continuando com a observação do comportamento etílico alheio, o bebo olha para o amigo e diz: - Tu é um dos melhores amigos que eu tenho nessa vida! Bora tomá uma?! A infeliz da vítima tenta contemporizar e sugere que o colega apanhe um taxi e vá para casa, dada a sua condição de esclerose muscular avançada (parece um mamulengo). O bebo retruca e diz: - Meu irmããããããããããão, velho?! Façççççisssssso nããããão... Aí vem o pior. Passa a dizer que o amigo não lhe tem apreço, que pouco lhe considera e que se tornou um camarada frio e calculista. Tipo Odete Roitman em Vale Tudo. Solta o pescoço já vermelho da vítima, senta-se na cadeira de ferro (daquelas dobráveis de bar), bota a cabeça entre as pernas e começa a chorar. Quando o bebo começa a chorar é um problema. Os olhos ficam esbugalhados, a coriza começa a escorrer de seu nariz (ele nunca o enxuga), e aí vem o primeiro sinal de degeneração severa e profunda, ou seja, inicia-se o processo de salivação. Sim, isso mesmo, é a frouxidão da saliva, mais conhecida como baba. Daquelas que quando o bebo tenta cuspir remanesce, teimosa, uma linha de baba até o chão. No fim o bebo, chorando, corizando e babando, levanta a cabeça e, inconsolado, diz para o amigo: - bora pro Neno, tomá a saideira, bicho? Vencido e derrotado, resignadamente o amigo aceita. Até por que se assim não o fizer o bebo vai sozinho. Neste momento o celular do bebo toca. É a sua mulher. Dá-lhe uma coça verbal daquelas e lhe indaga: - Você ainda vai beber?! E o bebo, tentando parecer sóbrio, sorridente, responde ao General: - Bebê, nãããão! Eu vou molhar a palavra.
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