LEI GERAL DA COPA E O CONSUMIDOR: LIVRE CONCORRÊNCIA E A VENDA CASADA

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17/10/2013

LEI GERAL DA COPA E O CONSUMIDOR: LIVRE CONCORRÊNCIA E A VENDA CASADA

17/10/2013
LEI GERAL DA COPA E O CONSUMIDOR: LIVRE CONCORRÊNCIA E A VENDA CASADA
Camila Prado Dos Santos: Advogada, Especialista em Direito Civil, Processo Civil e Direito Desportivo, Ex-Auditora do Futebol 7 do Estado do Rio de Janeiro.   RESUMO: Diante da magnitude do evento Mundial 2014 e as novidades legislativas trazidas pela Lei Geral da Copa, será discutido neste artigo um breve panorama referente ao conflito aparente de normas entre a Lei nº 12.663/2012 e a Constituição da República, no que tange à livre concorrência, livre iniciativa, valorização do trabalho e direito do consumidor, especificamente, a restrição comercial e vias de acesso, a exclusividade dos produtos comercializados na Copa e a venda casada. PALAVRAS-CHAVE: Lei Geral da Copa; livre concorrência; livre iniciativa; consumidor; venda casada. SUMÁRIO: Introdução; 1 A ordem econômica e seus princípios ; 1.1 A livre concorrência e a livre iniciativa ; 1.1.1 Restrição comercial e vias de acesso ; 1.1.2 Princípio da valorização do trabalho e proibição do comércio dos ambulantes ; 2 Direito do consumidor e a venda casada ; Conclusão ; Referências . INTRODUÇÃO Os megaeventos esportivos que acontecerão no Brasil, como a Copa das Confederações Fifa 2013, Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, repercutirão na esfera social, econômica e jurídica do País. É indiscutível que esses eventos produzirão benefícios significativos para o Brasil, porém, algumas exigências realizadas pela Federação Internacional de Futebol (Fifa) e consagradas pela Lei Geral da Copa ( Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012 ) conflitam diretamente com dispositivos constitucionais, o que pode gerar graves prejuízos à soberania nacional. A ordem econômica diretamente atingida pela Lei Geral da Copa baseia-se na existência digna, conforme os ditames da justiça social, e possui como pilares: o princípio da livre concorrência, busca do pleno emprego e direito do consumidor, que serão elencados no presente trabalho.   1 A ORDEM ECONÔMICA E SEUS PRINCÍPIOS No intuito de coibir abusos do poder econômico que a economia vinha sofrendo, a partir do século XX houve a constitucionalização da ordem econômica como demonstra o art. 170 da Constituição Federal de 1988 , mencionado a seguir: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: soberania nacional, livre concorrência, defesa do consumidor e busca do pleno emprego. Neste passo, cabe mencionar que tais princípios e diretrizes citados anteriormente com fundamento na justiça social, solidariedade e dignidade da pessoa humana objetivam a intervenção do Estado na ordem econômica para garantir a competitividade do mercado, incentivando a livre concorrência, fiscalizando e coibindo abusos de possíveis monopólios. 1.1 Princípio da livre concorrência O princípio da livre concorrência, que é um desdobramento do princípio da livre iniciativa, ou seja, da liberdade de iniciativa econômica, deve ser balizado pelos ditames da justiça social e dignidade. A livre concorrência baseia-se na competitividade inerente ao mercado, o que promove a distribuição de recursos com custos reduzidos, sendo uma forma de tutela ao consumidor. Assim, conquistará a clientela aquele que oferecer o preço mais baixo ao consumidor. A liberdade de concorrência pressupõe lealdade, honestidade comercial, respeitando sempre a boa-fé e os bons costumes. Como afronta ao princípio da livre concorrência, temos o caso da patrocinadora, Cervejaria belgo-brasileira Budweiser, que será a única cerveja a ser comercializada nos estádios e em seu entorno, colocando em risco tal princípio. O consumidor será diretamente atingido, tendo em vista que, na ausência de concorrência, falta de competição, os produtos e serviços das empresas patrocinadoras do evento terão preços elevados, ferindo o Código de Defesa do Consumidor. Vale destacar que a formação de monopólios e oligopólios é sempre prejudicial à concorrência. Apesar de haver concorrência no mercado de cervejas, estabelecer um patrocinador único nos remete à discussão do conceito de rent-seeking, que na teoria do processo decisório é uma tentativa de obter renda econômica manipulando o ambiente social e, principalmente, político em que as atividades econômicas fluem (Tullock, 2005, passim). Segundo Eros Grau, “o consumidor é aquele que se encontra em posição de debilidade e subordinação estrutural em relação ao produtor do bem ou serviço de consumo” (2012, p. 479). A exclusividade da venda de um único produto trata-se de prática anticoncorrencial, devendo ser reprimida pelo Poder Público, que deve garantir a efetividade das normas constitucionais, protegendo o consumidor dessas práticas abusivas. O direito à exclusividade deveria respeitar as normas constitucionais, observando os limites da livre iniciativa e leal concorrência, visando o equilíbrio da ordem econômica.   1.1.1 Das áreas de restrição comercial e vias de acesso Uma das polêmicas a ser discutida neste presente trabalho gira em torno do dispositivo trazido pela Lei Geral da Copa, que fala sobre a restrição comercial nos locais da competição e em seu entorno. O art. 11 da referida lei menciona que a Fifa e as pessoas por ela indicadas terão autorização para, “com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos locais oficiais de competição, nas suas imediações e principais vias de acesso”. O dispositivo em comento dá poderes decisórios a uma entidade privada - Fifa - de escolher as marcas a serem comercializadas nos estádios e seu entorno, estabelecendo regras de conduta aos comerciantes estabelecidos na região de competição. Além disso, o controle territorial está sendo delegado à Fifa, o que atinge a soberania nacional. A Fifa e seus patrocinadores dominarão temporariamente uma parte do território nacional. O art. 11, § 1º, da Lei Geral da Copa, dispõe que: § 1º Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos locais oficiais de competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da Fifa ou de terceiros por ela indicados, atendidos os requisitos desta lei e observado o perímetro máximo de 2km (dois quilômetros) ao redor dos referidos locais oficiais de competição. Conforme tal dispositivo, verifica-se que no perímetro máximo de 2km (dois quilômetros) ao redor dos referidos locais oficiais de competição o comércio local estará restrito a comercializar marcas estabelecidas pela Fifa, ou seja, marcas dos patrocinadores oficiais do evento esportivo. A celeuma gerada pela Lei Geral da Copa, no que tange à restrição comercial, atinge direitos fundamentais consagrados pela norma constitucional, como o direito à liberdade empresarial, livre exercício da profissão e o direito do consumidor. O comerciante é livre para comercializar qualquer marca disponível no mercado e a sua restrição atingiria também a livre iniciativa, que se baseia na liberdade de concorrência, ou seja, na faculdade de conquistar sua clientela em igualdade de condições perante os outros concorrentes. O texto da Lei Geral da Copa, no que tange à venda exclusiva de determinada marca, fere o direito de escolha do consumidor. Corroborando tal entendimento, percebe-se que o consumidor terá que aceitar determinada marca devido à inexistência de outra. Ou ainda, deixar de consumir no estabelecimento comercial tradicional que se encontra na área de restrição por não gostar da marca ali comercializada. Insta salientar que a liberdade de escolha é inerente à liberdade individual, ao direito de escolher o que é melhor para si, de ter uma opção. E a violação de tal direito enseja na existência do monopólio, que é contrário à livre iniciativa e à livre concorrência. Com base em informações jornalísticas, percebe-se que comerciantes do entorno dos estádios já temem o prejuízo que podem obter devido à restrição de marcas e publicidades. No entorno do Maracanã, alguns bares já receberam toldos e cadeiras das patrocinadoras do evento (Ambev e Coca-Cola). Em Porto Alegre, na área de restrição existe uma concessionária da Chevrolet, que não é patrocinadora do evento. Lembrando que a patrocinadora do evento é a Empresa Kia e Hyundai. Segundo o gerente comercial da concessionária, “esconder o nome da marca que é tradicional e que tem quase 50 anos neste ponto, com certeza, será um grande prejuízo” (Tadeu, 2012). Outro embate é o caso da escola de inglês Wizard, que se localiza no entorno da Arena Dunas, em Natal. A escola é rival da patrocinadora do evento, Wise Up. Segundo o empresário Igor Peixoto (dono da escola de inglês Wizard), sua pretensão é ajuizar uma ação durante a Copa, caso a Fifa exija a retirada de sua marca, consagrada na região há mais de dez anos (Tadeu, 2012). Percebe-se que essa disposição restritiva representa um abuso ao livre exercício da profissão e da livre concorrência. Os comerciantes estão amparados constitucionalmente e não podem ser coagidos a retirarem a marca de suas empresas por não serem patrocinadores do evento ou serem proibidos de funcionar durante os eventos esportivos. Caso isso ocorra, será cabível ação constitucional, ou seja, os prejudicados poderão impetrar mandado de segurança para assegurar direito líquido e certo. Realmente, a questão vai além de uma mera insatisfação, é um retrocesso do direito, no qual nossa Magna Carta está certamente sendo atingida por exigências de entidade privada. O futebol, paixão nacional, é atividade privada, organizada por uma instituição privada, por isso, não cabe à Fifa fazer exigências consolidadas em determinada lei, em desconformidade com a norma constitucional, restringindo, ainda que de forma temporária, direitos e garantias dos comerciantes e consumidores. Não há dúvida que os patrocinadores do evento devem ser preservados, até mesmo pelos milhões que estão investindo no evento. Porém, as exigências realizadas pela Fifa, embutidas na lei em comento, no que tange à exclusividade da marca na área de restrição e seu entorno, devem observar as garantias asseguradas pela Constituição brasileira, sendo com ela compatível.   1.1.2 Princípio da valorização ao trabalho e a proibição ao comércio dos ambulantes “É através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país, prevenindo a constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalho” (Morais, 2006, p. 748). Segundo Pedro Lenza, “a busca do pleno emprego também aparece como princípio da ordem econômica, consagrando a perspectiva de valorização do trabalho humano e materializando-se, também, como princípio diretivo da economia” (2012, p. 1253). Na esteira da discussão sobre a área de restrição e vias de acesso devem-se tecer alguns comentários acerca do § 2º do art. 11 da Lei Geral da Copa, como demonstra o dispositivo a seguir. § 2º A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos locais oficiais de competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal . O dispositivo anteriormente citado fala da proteção concedida às atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, não protegendo, desta forma, as atividades informais, como as atividades realizadas pelos ambulantes que comercializam no entorno dos estádios, afetando o princípio da valorização do trabalho.   Segundo pesquisas realizadas pela aliança de organizações de vendedores ambulantes acerca do impacto que a restrição comercial causará sobre os trabalhadores informais, percebe-se que só no Rio de Janeiro (cidade sede da Copa) 60 mil trabalhadores ambulantes serão prejudicados (DIP, 2012). O megaevento esportivo deveria trazer benefícios para toda sociedade e não ser um divisor social, marginalizando a camada desprotegida de regulamentação para o trabalho, mas que já faz parte da cultura brasileira. Cabe mencionar que muitas permissões para o trabalho no entorno de alguns estádios estão sendo revogadas unilateralmente pelo Poder Público e outras nem estão sendo concedidas aos trabalhadores informais. É lamentável que em um Estado Democrático de Direito como o Brasil - que tem como fundamento a justiça social, igualdade social - marginalize tais trabalhadores informais, que são vulneráveis socialmente e não possuem condições de inserção ao mercado formal. Segundo José Afonso da Silva: Os direitos sociais são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações desiguais. Dessa forma, possibilita ao indivíduo exigir do Estado prestações positivas e materiais para a garantia de cumprimento desses direitos. (Silva, 2001, p. 2) Trata-se de uma violação ao direito social e ao princípio da dignidade da pessoa humana, que se concentra em direitos mínimos civilizatórios, visando à proteção do mínimo existencial que engloba bens e necessidades básicas indispensáveis ao indivíduo. “[...] no reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade” (Kant, 2001, p. 33). O homem é um fim em si mesmo, e cabe Estado Democrático de Direito fazer valer no ordenamento jurídico brasileiro o respeito a um de seus fundamentos basilares que é o princípio da dignidade da pessoa humana. O ambulante faz parte da cultura brasileira, não podendo ser excluído desses eventos de tal magnitude para o País, isso é uma violação aos direitos humanos. Segundo a Declaração Universal de Direito Humanos, “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego” (Declaração de Direitos Humanos, 1948, artigo XXIII). Na Bahia, vem ocorrendo uma polêmica acerca da venda do acarajé, tradição daquela região, tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio imaterial da Bahia. A Associação das Baianas já vem se mobilizando há algum tempo no intuito de comercializar seus produtos durante os megaeventos, reivindicando não só sua participação comercial na Copa, como a utilização por elas de seus trajes típicos para venderem seus produtos. Nesse sentido, o Ministério Público da Bahia fez uma recomendação às autoridades federais e estaduais, afirmando a importância da comercialização tradicional do acarajé. Segundo o Ministério Público da Bahia, “é um desrespeito à comercialização de um bem imaterial tombado pelo IPHAN desde 2004 e ainda, se a decisão não for acatada, a justiça será acionada” (Copa, 2013). A Fifa diz que “discute com o Comitê Organizador do Evento Local para garantir que os interesses das vendedoras informais, que geralmente vendem o produto dentro do estádio e seu entorno, sejam incorporados no planejamento do evento” (DIP, 2012). Ainda que esse embate seja solucionado, com a abertura de uma exceção para a venda do acarajé na Bahia, outros produtos tradicionais dos diversos Estados que sediarão a Copa continuarão na zona de exclusão, o que demonstra a falta de política pública de inclusão que garanta a justiça social e a dignidade da pessoa humana.   2 A VENDA CASADA A Lei Geral da Copa traz uma novidade legislativa no que tange à prática da venda casada, ou seja, a Lei nº 12.663/2012 consolida, em seu texto normativo, a permissão para realização da venda casada na Copa, prática esta proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse contexto, percebe-se um conflito aparente de normas. A venda casada é uma prática abusiva que se consagra quando o consumidor, ao adquirir um produto, é obrigado a levar outro da mesma espécie ou não. Tal obrigatoriedade se dá porque um produto ou serviço só é vendido em conjunto com o outro. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor de 1990: Art. 39, CDC. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. Segundo Leonardo de Medeiros Garcia, “o fornecedor não pode vincular seu produto ou serviço a outro. É o que comumente chamamos de venda casada ou operação casada” (2009, p. 124). Com base no art. 27, II, da Lei Geral da Copa, verifica-se que a venda casada foi elencada como uma prática lícita, ao permitir a venda de ingresso de forma avulsa ou em conjunto com pacotes turísticos ou de hospitalidade. Art. 27. Os critérios para cancelamento, devolução e reembolso de Ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais dos eventos serão definidos pela Fifa, a qual poderá inclusive dispor sobre a possibilidade: [...] II - da venda de ingresso de forma avulsa, da venda em conjunto com pacotes turísticos ou de hospitalidade. Verifica-se um conflito aparente de normas. A disposição relativa à venda casada inserida na Lei Geral da Copa conflita com normas de ordem pública (CDC). A polêmica acerca do assunto enseja em posicionamentos diversos. Representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) defendem que o art. 27, II, da Lei nº 12.663/2012 fere o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que tal norma consumerista dispõe sobre a vedação da venda casada. Por outro lado, o Ministério Público Federal defende que a venda casada realizada por pacotes turísticos seria considerada infração, caso não haja possibilidade da compra separada dos ingressos. Pela Lei Geral da Copa, a Fifa pode vender os ingressos de forma avulsa ou conjunta, com pacotes de hotel e passagens aéreas. Com tal política, inclusive com o poder de decidir os valores dos ingressos, os jogos menos procurados terão preços inferiores e os mais procurados podem estar anexados a um pacote contendo o ingresso, hospitalidade e passagem, tornando-se a venda mais cara para o consumidor. As relações de consumo devem ser preservadas, observando-se sempre o princípio da boa-fé, confiança e ética, o que possivelmente a Lei Geral da Copa não consolidou em suas normas. Esse poder de decidir o valor do ingresso e quais ingressos serão vendidos em pacotes turísticos ou individualmente afronta o direito do consumidor, que ficará à mercê da decisão da Fifa, seja ela prejudicial ou não. Os pacotes VIPs para a Copa de 2014, destinados a pessoas mais “importantes”, foram os primeiros a serem disponibilizados para a venda. Desses, 450 mil lugares foram preferencialmente destinados aos convidados da Fifa. Cada pacote agrega serviços de estacionamento, alimentação, segurança privada e até hospedagem. Por fazerem parte de um pacote, possuem valores exorbitantes, podendo a chegar a 4 milhões de reais (Bonetti, 2011). Trata-se de uma venda casada, pois o consumidor será obrigado a adquirir outros serviços, como alimentação, estacionamento, hospedagem, por exemplo, para poder adquirir um ingresso para o camarote. Corroborando tal prática abusiva, menciona-se o caso ocorrido na Copa da Alemanha, envolvendo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a empresa de turismo Planeta Brasil. Foram processados por crime contra ordem econômica e as relações de consumo, pela prática ilegal da venda casada: Justiça mantém proibição de venda casada de ingressos da Copa O Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompsom Flores Lenz, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, manteve liminarmente a proibição da venda casada de ingressos para a Copa do Mundo na Alemanha pela empresa Planeta Brasil. No final de março, cinco torcedores moveram uma ação na 3ª Vara Federal de Londrina (PR) contra a Planeta Brasil , que se negava a vender ingressos a não ser que também fossem adquiridos pacotes de viagem. Eles requereram e obtiveram uma liminar obrigando a empresa a vender os ingressos separadamente. O Juiz Federal Rogério Cangussu Dantas Cachichi, da 3ª Vara Federal de Londrina, entendeu que existem fortes indícios de que a Planeta Brasil estaria praticando a venda casada. Segundo o magistrado, a conduta é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. Ele determinou que a empresa realizasse a venda num prazo de 24 horas, sob pena de multa diária de R$ 2 mil. A Agência de Viagens Irontour ingressou com agravo de instrumento no TRF pedindo a suspensão da decisão da 3ª Vara. Após analisar o recurso, o relator do processo no tribunal, Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompsom Flores Lenz, entendeu que não existe risco de dano irreparável para a agência e que somente nesse caso seria legal a suspensão da liminar concedida em primeira instância. O despacho de Lenz é válido até o julgamento do mérito do recurso pela 3ª Turma do TRF. AI 2006.04.00.011673-9/PR. (Disponível em: www.trf4.gov.br) A empresa de turismo Planeta Brasil foi a única a receber autorização da CBF para vender ingressos para a Copa da Alemanha. E a empresa estipulou que tais ingressos só seriam vendidos em conjunto com outros serviços, como hotel e passagens aéreas. Muitos consumidores obtiveram liminar para comprar os ingressos individualmente, sem vínculo com qualquer tipo de pacote turístico. Outro caso, relacionado à venda casada, envolve o Corinthians e a CVC. O clube manteve parceria com a CVC, ou seja, os ingressos que o Corinthians obteve para a comercialização foram destinados para aqueles que adquirissem o ingresso pela empresa CVC (hospedagem com passagens aéreas), ou seja, a CVC teve a exclusividade na venda dos ingressos. “Quem não comprar ingresso pelo pacote oficial não vai ter acesso à torcida do Corinthians. Vai ter que ficar em outros setores. E quem comprar o pacote de viagem vai ter a prioridade para adquirir o ingresso”, disse uma pessoa responsável pela comercialização (Tadeu, 2012). Percebe-se mais um caso de abuso das relações de consumo e da ordem econômica. O Corinthians foi notificado pelo Procon/SP por venda casada na final da Libertadores contra o Boca Juniors, considerando a venda casada uma prática ilegal vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. “Tanto o CDC como a Lei Antitruste proíbem que o fornecedor se prevaleça de sua superioridade econômica ou técnica para determinar condições negociais desfavoráveis ao consumidor” (Marques, 2008, p. 561). Dessa forma, é necessário que a venda casada, como prática abusiva que é, seja combatida e que a lei seja cumprida. A sociedade deve denunciar tais práticas ao Procon e ao Ministério Público, garantindo a justiça social. CONCLUSÃO Diante deste breve panorama sobre algumas polêmicas trazidas pela Lei Geral da Copa, conclui-se que os megaeventos que acontecerão no Brasil, como a Copa das Confederações 2013, Copa Mundial 2014 e jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016, serão fenômenos de suma importância para a economia do País. Porém, esses megaeventos organizados por uma entidade privada, Fifa, devem respeitar os ditames da soberania nacional.   As exigências realizadas pela Fifa ao Brasil e consolidadas na Lei Geral da Copa devem ser questionadas, principalmente no que tange às disposições contrárias às normas nacionais. Assim, percebe-se que a restrição comercial nos estádios e seu entorno é uma prática ilegal, que fere a livre iniciativa e a livre concorrência, o livre exercício da profissão. E ainda, os consumidores, que são vulneráveis em uma relação jurídica, devem ser protegidos no que tange à liberdade de escolha inerente à liberdade individual, ou seja, devem ter o direito de opção em relação aos produtos que desejam consumir. A violação desse direito implica na ocorrência do monopólio empresarial, ferindo o princípio da livre concorrência, acarretando a elevação dos preços dos produtos comercializados pelas patrocinadoras da Copa de forma a prejudicar o consumidor. Nesse passo, direitos fundamentais, como o exercício da profissão, direito social e dignidade da pessoa humana, devem ser respeitados, devendo o Poder Público criar políticas públicas inclusivas, ou seja, dar ao ambulante o direito de participar do evento esportivo de tal magnitude que ocorrerá no País. O mínimo existencial deve ser preservado em uma sociedade justa e fraterna. As relações de consumo devem ser respeitadas, e o Código de Defesa do Consumidor aplicado, reprimindo a venda casada, que é uma prática abusiva. Na existência de um conflito de normas, o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado, tornando o dispositivo da Lei Geral da Copa que fala sobre o assunto inválido. Sendo assim, a Lei Geral da Copa deve ser aplicada na medida de sua compatibilidade com a Constituição Federal, lei maior, que rege todo ordenamento jurídico. Qualquer outra norma incompatível com a ordem constitucional deve ser considerada inconstitucional.   REFERÊNCIAS AUGUSTO, Danilo. 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