JUSTIÇA DESPORTIVA E PRÁTICA DESPORTIVA
19/12/2013José Ricardo Rezende: Advogado, Profissional de Educação Física, Especialista em Administração de Marketing, Vice-Presidente do Fundo de Apoio ao Desporto Amador de Sorocaba (FADAS) e da Comissão Central de Esporte (CCE), Participou da Elaboração do Código Municipal de Justiça e Disciplina Desportiva de Sorocaba (CMJDD) e do Código Municipal do Futebol Varzeano (CMFV), Atua na Gestão de Eventos Esportivos há mais de Quinze Anos, Listeiro CEVLeis, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
Nota: Inserido conforme originais remetidos pelo autor.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Prática desportiva formal e não-formal e seu desdobramento como desporto educacional, de participação e de rendimento; 2 Integração da lei; 3 Comandos da lei para a prática desportiva formal e não-formal; 4 Justiça desportiva e a prática desportiva formal; 5 Comandos da lei para a prática desportiva não-formal; 6 Justiça desportiva e a prática desportiva não-formal; 7 Adoção do CBJD para a prática desportiva não-formal; 8 Paradoxo da prática desportiva; Conclusão.
INTRODUÇÃO
Não são poucas as dúvidas e incertezas existentes na comunidade esportiva quando o assunto é Justiça Desportiva e a efetiva Prática Desportiva (formal e não-formal), em especial no âmbito das entidades de administração do desporto (EADs) e mesmo da Administração Pública, muitas vezes dando origem a equívocos de interpretação acerca de sua conformação legal constitucional e infraconstitucional (adequação à lei), com reflexos diretos sobre o alcance (destinatários) do Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD.
Tal insegurança se dá, inicialmente, em razão da Lei nº 9.615/1998 (também conhecida como Lei Pelé ou Lei Geral Sobre Desporto - LGSD) não estabelecer de forma expressa qual a relação entre prática desportiva formal e não-formal, prevista na Constituição Federal (art. 217), e os conceitos de desporto educacional, de participação e de rendimento (art. 3º da LGSD), decorrendo deste fato uma série de conseqüências.
Neste sentido, nas linhas que seguem, enfrentamos tormentosa questão, que tem levado muitos a graves enganos, salvo melhor juízo.
Todo desenvolvimento deste estudo terá referência em situações verificadas na comunidade esportiva e sua correspondência com a legislação em vigor, que por sua vez será analisada de forma didática e integrada, buscando extrair seu melhor sentido, para ao final alcançar uma interpretação correta de seus verdadeiros desígnios.
1 PRÁTICA DESPORTIVA FORMAL E NÃO-FORMAL E SEU DESDOBRAMENTO COMO DESPORTO EDUCACIONAL, DE PARTICIPAÇÃO E DE RENDIMENTO
A referência legislativa norteadora do desporto nacional é o art. 217 da Constituição Federal, que determina como dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um.
Em seguida, vem a Lei nº 9.615/1998, conceituando referidas práticas nos seguintes termos:
“Prática desportiva formal: (art. 1º, § 1º): ‘A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto’.
Prática desportiva não-formal: (art. 1º, § 2º): ‘A prática desportiva não-formal é caracterizada pela liberdade lúdica de seus praticantes’.”
Mais adiante, em seu art. 3º, incisos I, II, e III, referida Lei define a natureza e as finalidades do desporto, apontando três manifestações pelas quais ele pode ser reconhecido, sem, no entanto, fazer menção expressa quanto à sua relação com a prática desportiva formal e não-formal.
Temos assim:
“Desporto educacional (art. 3º, I): ‘Praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer’;
Desporto de participação (art. 3º, II): ‘De modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente’;
Desporto de rendimento (art. 3º, III): ‘Praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações’.
Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva; II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio.”
2 INTEGRAÇÃO DA LEI
Com base nestes elementos e numa perspectiva de integração da LGSD, evidenciam-se relações lógicas, diretas e objetivas, estabelecendo conexões entre a prática desportiva e sua natureza e finalidade, que permitem concluir, com segurança:
- Que o desporto de rendimento é uma prática desportiva formal.
- Que o desporto de participação e o desporto educacional constituem prática desportiva não-formal.
Neste mesmo contexto, ficam patentes as incompatibilidades em sentido contrário, não havendo como admitir o desporto de participação/educacional como sendo uma prática desportiva formal, assim como o desporto de rendimento como sendo uma prática desportiva não-formal, pelo que, podemos estabelecer o seguinte quadro.
Nota: Ver Desporto Nacional.
3 COMANDOS DA LEI PARA A PRÁTICA DESPORTIVA FORMAL E NÃO-FORMAL
Feita esta divisão, cabe observar, em seguida, quais são os comandos da lei especificamente em razão de cada situação.
- Liberdade para a prática desportiva não-formal
A prática desportiva não-formal, pelos próprios termos da lei (art. 1º, § 2º), caracteriza-se pela “liberdade lúdica” de seus praticantes, cuja conseqüência será analisada em detalhes mais adiante.
- Vinculação da prática desportiva formal/desporto de rendimento
Por sua vez, quanto à prática desportiva formal, dispôs, também de forma expressa (art. 3º, III), que o desporto de rendimento será praticado segundo normas gerais desta Lei.
Além disso, em seu art. 13, estabeleceu a LGSD um sistema específico para congregar a prática desportiva de rendimento, identificando, taxativamente, as entidades abrangidas.
“LGSD, art. 13. O Sistema Nacional do Desporto tem por finalidade promover e aprimorar as práticas desportivas de rendimento.
Parágrafo único. O Sistema Nacional do Desporto congrega as pessoas físicas e jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação, administração, normatização, apoio e prática do desporto, bem como as incumbidas da Justiça Desportiva e, especialmente:
I - o Comitê Olímpico Brasileiro - COB;
II - o Comitê Paraolímpico Brasileiro - CPOB;
III - as entidades nacionais de administração do desporto;
IV - as entidades regionais de administração do desporto;
V - as ligas regionais e nacionais;
VI - as entidades de prática desportiva filiadas ou não àquelas referidas nos incisos anteriores.”
Registre-se que o Sistema Nacional do Desporto integra um maior, denominado Sistema Brasileiro do Desporto, que tem por objetivo garantir a prática desportiva regular e melhorar-lhe o padrão de qualidade (LGSD, art. 4º, § 1º), tendo a seguinte composição:
“LGSD, art. 4º O Sistema Brasileiro do Desporto compreende:
I - o Ministério do Esporte;
II - revogado;
III - o Conselho Nacional do Esporte - CNE;
IV - o sistema nacional do desporto e os sistemas de desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, organizados de forma autônoma e em regime de colaboração, integrados por vínculos de natureza técnica específicos de cada modalidade desportiva.
§ 1º O Sistema Brasileiro do Desporto tem por objetivo garantir a prática desportiva regular e melhorar-lhe o padrão de qualidade. § 2º A organização desportiva do País, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado interesse social, inclusive para os fins do disposto nos incisos I e III do art. 5º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. § 3º Poderão ser incluídas no Sistema Brasileiro de Desporto as pessoas jurídicas que desenvolvam práticas não-formais, promovam a cultura e as ciências do desporto e formem e aprimorem especialistas.”
Nota: Sistema Brasileiro do Desporto.
“LGSD, art. 25. Os Estados e o Distrito Federal constituirão seus próprios sistemas, respeitadas as normas estabelecidas nesta Lei e a observância do processo eleitoral.
Parágrafo único. Aos Municípios é facultado constituir sistemas próprios, observadas as disposições desta Lei e as contidas na legislação do respectivo Estado.”
4 JUSTIÇA DESPORTIVA E A PRÁTICA DESPORTIVA FORMAL
Sobre Justiça Desportiva, dispõe a Constituição Federal, nos §§ do mesmo art. 217, que:
“§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva, regulada em lei.
§ 2º A Justiça Desportiva terá o prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.”
A previsão constitucional da Justiça Desportiva tem um significado concreto extremamente importante, qual seja, de conferir-lhe existência, afastando a alegação de Juízo ou Tribunal de Exceção (CF/1988, art. 5º, XXXVII), isso quando devidamente estruturada.
Ademais, fixa sua competência material (relativa à disciplina e às competições desportivas) dentro de uma dimensão temporal (60 dias). Sendo assim, dentro desses limites, adquire feição de juízo natural/autoridade competente. Fora dele, inexiste legitimidade para atuação válida da Justiça Desportiva.
Além da referência constitucional à Justiça Desportiva, temos na Lei nº 8.028/1990, a seguinte disposição:
“Lei nº 8.028/1990 (Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências), art. 33 - Lei de normas gerais sobre desportos disporá sobre o processo de julgamento das questões relativas à disciplina e às competições desportivas.”
Diante desses comandos, a legislação que regula a Justiça Desportiva é a própria Lei nº 9.615/1998 (Capítulo VII, arts. 49 a 55), configurando-se, pois, como a Lei Geral Sobre Desporto e Justiça Desportiva.
4.1 - Da atribuição para aprovação de Códigos de Justiça Desportiva
De acordo com a LGSD, cabe ao Conselho Nacional do Esporte - CNE, aprovar os Códigos de Justiça Desportiva e suas alterações.
“LGSD, art. 11. O CNE é órgão colegiado de normatização, deliberação e assessoramento, diretamente vinculado ao Ministro de Estado do Esporte, cabendo-lhe: VI - aprovar os Códigos de Justiça Desportiva e suas alterações.”
Mais adiante, referida Lei dispôs:
“LGSD, art. 91. Até a edição dos Códigos de Justiça dos Desportos Profissionais e Não-Profissionais continuam em vigor os atuais Códigos, com as alterações constantes desta lei.”
Pois bem, considerando que em 23 de dezembro de 2003 o Conselho Nacional do Esporte, através da Resolução CNE nº 01
1, aprovou o Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD, que cuida do desporto profissional e não-profissional, nesta mesma ocasião foram revogados os Códigos anteriores, havendo inclusive disposição expressa neste sentido no próprio CBJD.
“CBJD, art. 287. Ficam revogadas as Portarias MEC nº 702, de 17 de dezembro de 1981; nº 25 de 24 de janeiro de 198; nº 328, de 12 de maio de 1987; relativas ao Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF); Portarias MEC nº 629, de 2 de setembro de 1986; nº 877, de 23 de dezembro de 1986, relativas ao Código Brasileiro de Justiça e Disciplina Desportivas (CBJDD), e as Resoluções de Diretoria das entidades de administração do desporto que se tenham incorporado às Portarias ora revogadas, e demais disposições em contrário.” (grifo nosso)
Reforçamos que o CBJD foi instituído em razão da prática desportiva formal (desporto de rendimento / praticado de modo profissional e não-profissional), que por sua vez foi estruturado dentro do Sistema Nacional do Desporto (SND), configurando-se, assim, como uma questão de ordem nacional, atraindo a competência de sua aprovação pelo Conselho Nacional do Esporte - CNE.
4.2 - Destinatários do CBJD
“CBJD, art. 1º A organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva e o Processo Desportivo, no que se referem ao desporto de prática formal, regulam-se pela lei e por este Código, a que ficam submetidas, em todo o território nacional, as entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto e todas as pessoas físicas e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente filiadas ou vinculadas.” (grifo nosso)
Partindo do art. 1º do CBJD, para a correta identificação de seus destinatários é preciso delimitar: I) quem são as entidades relacionadas nos incs. I à VI do art. 13 da LGSD; e, II) se existe regra especial referente à matéria na legislação sobre desporto.
- Comitê Olímpico e Paraolímpico Brasileiro - COB/CPOB (I e II):
Quanto ao COB (I) e o CPOB (II), por certo não há dúvidas quanto à sua natureza e finalidade (art. 15 e seus parágrafos da LGSD), porém, temos a ressaltar que as disposições da Lei nº 9.615/1998 sobre Justiça Desportiva não se aplicam aos COB e CPOB, conforme expressamente previsto em seu art. 51.
“LGSD, art. 51. O disposto nesta lei sobre Justiça Desportiva não se aplica ao Comitê Olímpico e Paraolímpico Brasileiros.”
Enfim, não temos a submissão ao CBJD por via dos incs. I e II e menos ainda por sua conjugação com o inc. VI.
- Ligas regionais e nacionais (V):
São identificadas pelo art. 20 da mesma lei.
“LGSD, art. 20. As entidades de prática desportiva participantes de competições do Sistema Nacional do Desporto poderão organizar ligas regionais ou nacionais.”
Neste ponto cumpre observar que as Ligas Municipais e Intermunicipais, apesar de não estarem expressamente previstas na LGSD, devem ser consideradas como submetidas ao CBJD quando forem direta ou indiretamente filiadas ou vinculadas à respectiva entidade nacional/regional de administração do desporto, por força da parte final do art. 1º do CBJD.
- Entidades de prática desportiva filiadas ou não 2 àquelas referidas nos incisos anteriores (VI):
Identificadas pelo art. 16 da LGSD, são os clubes, associações, agremiações e afins, reguladas por normas de direito civil (associação) ou comercial (clube-empresa).
- Entidades nacionais/regionais de administração do desporto (III e IV)
Deixamos para abordar por último os incisos III e IV visto que, pelo fato da LGSD não dar-lhe definição estrita (art. 16), deixou espaço para interpretações equivocadas (extensivas), constituindo um ponto crítico da lei, visto que será a partir do entendimento que se tem do significado da expressão “entidade de administração do desporto”, que será traçada toda uma vinculação com o CBJD.
“LGSD, art. 16. As entidades de prática desportiva e as entidades nacionais de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos. § 1º As entidades nacionais de administração do desporto poderão filiar, nos termos de seus estatutos, entidades regionais de administração e entidades de prática desportiva. § 2º As ligas poderão, a seu critério, filiar-se ou vincular-se a entidades nacionais de administração do desporto, vedado a estas, sob qualquer pretexto, exigir tal filiação ou vinculação. § 3º É facultada a filiação direta de atletas nos termos previstos nos estatutos das respectivas entidades de administração do desporto.” (grifo nosso)
Em que pesem as evidências deste art. 16 e seus parágrafos, é de importância crucial fixar o sentido e o alcance da expressão “entidade de administração do desporto” (EAD), pois, repita-se, será a partir daí que iremos definir os destinatários do CBJD.
Nosso entendimento é de que somente integram o Sistema Nacional do Desporto, por esta via, as respectivas entidades responsáveis pelas normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática esportiva de cada modalidade, ou seja, entidades filiadas/vinculadas a organismos transnacionais responsáveis pelas normas orgânicas e regras de prática de determinada modalidade esportiva (guardião do desporto).
O exemplo clássico é o do futebol, que tem a FIFA (Fédération Internationale de Football Association) como organismo transnacional responsável pelas normas orgânicas gerais e regras de prática específicas desta modalidade no contexto mundial, cuja entidade representativa em território brasileiro é a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), configurando-se, pois, como a entidade nacional de administração do desporto na modalidade futebol, que por sua vez admite em seus quadros entidades regionais de administração do desporto (federações estaduais).
Repisando o assunto, sob outro ângulo, se faz necessário observar uma diferença fundamental na finalidade das “entidades de administração do desporto”, pelo que, temos duas possibilidades:
A) Interpretação no sentido amplo (EAD lato sensu):
Toda e qualquer entidade que se intitule e/ou declare em seus atos constitutivos que sua finalidade seja de organizar, administrar, gerenciar, dirigir, coordenar, planejar, programar, desenvolver ou supervisionar “atividade/s esportiva/s”, pode ser classificada, de um modo geral, como uma entidade de administração do desporto. Anote-se, no entanto, que a qualificação mais apropriada para tais, em nossa compreensão, é entidade de administração de atividade esportiva.
B) Interpretação em sentido estrito (EAD stricto sensu):
Somente será considerada como entidade (nacional/regional) de administração do desporto, aquela que, em território nacional, mantenha filiação/vinculação com um organismo transnacional cuja finalidade precípua seja gerir uma própria modalidade esportiva, representando-a neste sentido, ou seja, que exerçam legítima representação oficial da modalidade esportiva em território nacional. Assim, podemos citar, novamente: Federação Paranaense de Futebol (como entidade regional de administração do desporto), filiada/vinculada à CBF (como entidade nacional de administração do desporto), que por sua vez é filiada/vinculada à FIFA (como entidade transnacional de administração do desporto).
Deste modo, o Sistema Nacional do Desporto, por sua própria finalidade, no que tange às entidades de administração do desporto (EADs), há de congregar apenas e tão somente aquelas encarregadas da coordenação, administração ou normatização (representação oficial) da própria modalidade esportiva (interpretação em sentido estrito), consagrando seu objetivo de promover e aprimorar as práticas desportivas de rendimento, contextualizada pela inserção do País no âmbito de uma ordem, de um arranjo internacional do desporto, ou, por outras palavras, em um sistema federativo internacional.
“Sistema federativo internacional: Congregação mundial de pessoas físicas (atletas, técnicos, dirigentes, árbitros etc.) e jurídicas de direito privado (clubes, associações, ligas, federações, confederações etc.), em razão de uma própria modalidade esportiva, organizadas hierarquicamente e sob comando institucional de um órgão gestor transnacional (Ex: Voleibol: Fédération Internationale de Volleyball - FIVB, Atletismo: International Association of Athletics Federations - IAAF), responsável pela elaboração, controle e alteração das regras que particularizam a modalidade (regras oficiais) e demais normas orgânicas gerais; sem subordinação de ordem funcional, porém, admitindo-se a desfiliação (descumprimento de norma) e vedada a intervenção (reconhecimento da soberania e autonomia de gestão).”
Anote-se, por oportuno, que a definição estrita de entidade de administração do desporto deve ser considerada frente a todo o texto da Lei nº 9.615/1998 e não apenas em razão do Sistema Nacional do Desporto, assim como em face da Lei nº 10.671/1998 (Estatuto de Defesa do Torcedor).
4.3 - Comprovação da existência da modalidade esportiva
A identificação ou comprovação desta condição de EAD stricto sensu não depende de cota mínima de adeptos, certificação, homologação ou qualquer outro meio de reconhecimento formal por nenhum órgão governamental, pois gozam de autonomia quanto à sua organização e funcionamento (CF/1988, art. 217, I e LGSD, art. 2º, II) bastando para tanto demonstrar a existência da modalidade esportiva num contexto internacional (mesmo que seja de apenas 02 países), adquirindo assim status de prática desportiva formal (regulado por normas nacionais e internacionais)/desporto de rendimento (finalidade de integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações), que leva à sua conseqüente inserção no Sistema Nacional do Desporto e respectiva vinculação ao CBJD.
Observe-se, por outro lado, que a descentralização que caracteriza o Sistema Nacional do Desporto pode ser vista como uma conquista, face ao “intervencionismo” de legislações anteriores sobre a matéria, entretanto, esta total e absoluta ausência de “controle” traz inconsistência para o próprio Sistema, no qual se auto-inserem entidades que lhe são estranhas (EAD - lato sensu), além da indiferença ou desconhecimento de outras que lhe integram (EAD - stricto sensu), situações estas que levam a equívoco tanto umas quanto outras entidades, em especial no que tange à Justiça Desportiva.
Enfim, ressalte-se, integram o Sistema Nacional do Desporto, na condição de “entidades nacionais de administração do desporto”, aquelas que exercem representação oficial, em território nacional, de modalidades esportivas olímpicas, não-olímpicas, paraolímpicas, de criação nacional (capoeira) e, por que não dizer, também dos esportes de aventura, radicais e esportes ligados à natureza, dentre outras categorias, divisões e classificações, ressalvado o traço comum das atividades serem predominantemente físicas.
4.4 - Insubmissão ao CBJD
Cabe registrar que, no caso de entidades que estejam submetidas ao CBJD e que, seja qual for o motivo, se utilizem de outro Código para julgar os casos afins, certamente estarão agindo fora dos limites da lei (produzindo decisões nulas, apesar de, em geral, serem cumpridas voluntariamente), ou seja, sujeitas a serem desconstituídas por via da Justiça Comum.
5 COMANDOS DA LEI PARA A PRÁTICA DESPORTIVA NÃO-FORMAL
5.1 - Liberdade para a prática desportiva não-formal
Seguindo nossa linha interpretativa, destacamos que a Lei nº 9.615/1998, e esse também é um ponto fundamental, é praticamente toda dirigida à prática formal/desporto de rendimento, pois quando trata da prática não-formal (art. 1º, § 2º), como já dissemos an passant, aponta a “liberdade lúdica” de seus praticantes como sendo uma característica intrínseca.
Referida liberdade lúdica não pode ser compreendida de outra maneira senão como a independência para a prática desportiva espontânea, ou seja, executada por desejo e iniciativa própria.
Por outras palavras, a prática desportiva não-formal deve ser entendida como aquela que se utiliza das regras do jogo (em maior ou menor grau), mas com elas não guarda vínculo de relação direta, obrigacional e sistemática (traço característico da prática formal - desporto de rendimento). É, pois, a prática desportiva livre, voltada mais para o conteúdo do que para a forma (daí o sentido da expressão “não-formal”), ou seja, que não está submetida aos ditames (formalismos) de um sistema maior (ao contrário do desporto de rendimento), assentando-se tão-somente em normas pré-definidas (regulamentos gerais de competições), aceitas por adesão ao evento esportivo ou pelo acordo de vontade de seus praticantes (normas orgânicas próprias).
Devemos admitir, por oportuno, e com base na realidade dos fatos, que com freqüência verificamos uma vigorosa e bem organizada prática desportiva não-formal (e vice-versa), inclusive “adotando” com firmeza as normas e regras da modalidade (características próprias da prática formal) e em busca de resultado (afinal, é intrínseco do esporte a busca pela vitória), ou seja, na prática, tais atividades desportivas parecem similares, mas na realidade, por tudo que já expusemos, encontram-se perante a lei em campos diametralmente opostos.
Temos que ter claro que a “semelhança aparente” não transmuta sua condição de prática desportiva não-formal, pois não há espaço na lei para enquadrarmos qualquer atividade promovida fora do Sistema Nacional do Desporto como sendo uma prática desportiva formal/desporto de rendimento.
Como a finalidade deste ensaio é revelar o sentido e alcance da legislação desportiva em vigor, é importante, neste momento, para não perder o contexto, reafirmar toda a construção feita sobre a divisão e respectivas inter-relações da prática desportiva formal e não-formal, que, nesta ocasião, pode ser resumida pelos seguintes esquemas.
6 JUSTIÇA DESPORTIVA E A PRÁTICA DESPORTIVA NÃO-FORMAL
Como já dissemos, de acordo com o grau de organização da prática desportiva não-formal, pode-se fazer necessária a instituição de uma corte julgadora de conflitos relativos à disciplina e às próprias competições, assumindo contornos de uma estrutura de Justiça Desportiva e que realmente será uma Justiça Desportiva.
Por sua vez, considerando que o CBJD é destinado à prática desportiva formal (desporto de rendimento/profissional e não-profissional) e que o Conselho Nacional do Esporte (CNE) não se manifestou sobre a Justiça Desportiva para a prática não-formal, e este é um aspecto muito relevante, a questão que se põe é: a amplitude da liberdade para a prática alcança os meios para resolução de conflitos oriundos da atividade?
Para responder com segurança esta questão é preciso relembrar, conforme já foi colocado, que a Lei nº 9.615/1998, além de instituir normas gerais sobre o desporto, dá outras providências, sendo uma das principais delas, sem dúvida, regular a Justiça Desportiva, conforme determinado na parte final do § 1º do art. 217 da CF/1988.
Em seguida, é preciso avaliar os comandos da LGSD (eJD) para saber se há especificidade em relação à Justiça Desportiva e a prática desportiva, ou seja, se é um comando geral (aberto) ou especial (fechado) da prática formal ou mesmo não-formal. Com este intuito, uma leitura atenta da lei revela que os dois primeiros artigos do Capítulo VII, que trata da Justiça Desportiva (art. 49, art. 50 e seus três primeiros parágrafos), são de comando geral, devendo ser observados tanto para a da prática formal como para a não-formal, senão vejamos:
“Art. 49. A Justiça Desportiva a que se referem os §§ 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal e o art. 33 da Lei nº 8.028, de 12 de abril de 1990, regula-se pelas disposições deste Capítulo.
Art. 50. A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidas em códigos desportivos, facultando-se às ligas constituir seus próprios órgãos judicantes desportivos, com atuação restrita às suas competições.
§ 1º As transgressões relativas à disciplina e às competições desportivas sujeitam o infrator a:
I - advertência;
II - eliminação;
III - exclusão de campeonato ou torneio;
IV - indenização;
V - interdição de praça de desportos;
VI - multa;
VII - perda do mando do campo;
VIII - perda de pontos;
IX - perda de renda;
X - suspensão por partida;
XI - suspensão por prazo.
§ 2º As penas disciplinares não serão aplicadas aos menores de quatorze anos.
§ 3º As penas pecuniárias não serão aplicadas a atletas não-profissionais.”
Por sua vez, os demais comandos da Lei para Justiça Desportiva são de ordem específica, dirigidos ao COB e CPOB (art. 51) e às entidades de administração do desporto (stricto sensu) (§ 4º do art. 50 e arts. 52 a 55), pelo que, não submetem a prática desportiva não-formal, podendo, no máximo, servir de paradigma.
Nestas circunstâncias o que se conclui (e se observa no dia-a-dia) é que a prática desportiva não-formal, considerada sua liberdade lúdica, não foi submetida - pelo CNE - a uma codificação específica, até porque seria temeroso fazê-lo diante da diversidade das manifestações neste sentido, que assumem diferentes contornos nas diversas regiões do País, face aos numerosos hábitos e à pluralidade cultural de nosso povo, ou seja, sua codificação seria inoportuna, podendo inclusive inviabilizar a prática e o pleno exercício da liberdade lúdica que a caracteriza.
Sendo assim, resta compreender que, quando se fizer necessária e de acordo com sua magnitude, objetivos e realidade organizacional, deverão os responsáveis pela prática não-formal, seja ela uma iniciativa pública ou privada, adotar uma configuração de Justiça Desportiva adequada aos comandos do art. 217 e seus parágrafos da Constituição Federal e aos arts. 49 e 50 da Lei nº 9.615/1998, fazendo-o através de Códigos Desportivos próprios, sempre primando pela absoluta transparência nas suas decisões (como não poderia deixar de ser).
Não obstante, atente-se para o fato, deverão atuar com absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais (ampla defesa, contraditório, devido processo legal, etc.), conforme o art. 5º da Constituição Federal.
Tudo isso sob pena de nulidade de suas decisões, por via de declaração do Poder Judiciário (quando provocado neste sentido), ou seja, a Justiça Desportiva não deve ser utilizada com excesso de autoridade, abuso de poder, violação a direitos e garantias fundamentais ou com finalidade de qualquer tipo de perseguição. A Justiça Desportiva existe para garantir tão- somente a viabilidade, a paz e a moralidade no desporto, seja ele de prática formal ou não-formal.
Liberdade para elaborar e aprovar Códigos de Justiça Desportiva para a prática não-formal
- Setor Público:
Na esfera da Administração Pública o que se tem visto é que algumas Leis Estaduais e Municipais que constituem Sistemas próprios a fim de integrar o Sistema Brasileiro do Desporto, atendendo ao disposto na LGSD (art. 25 e parágrafo único), conferem atribuição para seus respectivos Conselhos aprovarem referidos Códigos no âmbito de suas competições, configurando-se, diga-se de passagem, na melhor técnica legislativa.
Outras vezes sequer Leis Estaduais e Municipais são instituídas neste sentido, sendo os Códigos baixados por decreto, resolução, portaria ou até mesmo, pura e simplesmente, por sua publicação em órgão oficial (Diário Oficial), subsumindo competência e legalidade no poder geral da Autoridade Pública para praticar ato administrativo de gestão com finalidade normativa.
O certo é que temos intensa atividade desportiva competitiva promovida por entidades e órgãos públicos, cujos respectivos Códigos de Justiça Desportiva - além de observar as condições gerais da CF/1988 e LGSD - também deverão conter respeito aos princípios constitucionais que vinculam a atividade da administração pública (CF/1988, art. 37), assim como seus demais princípios implícitos (de construção doutrinária).
Nesta direção podemos apontar como exemplo de entidades e órgãos: o Governo Federal (através do Ministério do Esporte), os Governos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal (através das Secretarias, Diretorias, Departamentos, Divisões ou Seções de Esporte) e as Fundações Públicas com finalidade desportiva.
Já como exemplo de codificação da Justiça Desportiva elaborados sob esta ótica, podemos citar:
“Código Nacional de Organização da Justiça e Disciplina Desportiva (CNOJDD): Trata-se de um código elaborado para regular a organização da Justiça Desportiva, o Processo e as medidas disciplinares relativas aos eventos sob a organização, coordenação e/ou supervisão do Ministério do Esporte e Turismo (MET)/Secretaria Nacional de Esporte (SNE), do Governo Federal, submetendo quem deles participe de forma direta ou indireta. Obs.: Dadas suas peculiaridades com o Setor Público, é recomendada - e inclusive sugerida pelos seus autores - sua adoção por Governos Estaduais e Municipais. Para conhecer o CNOJDD visite o site http://www.portaldodireitodesportivo.com.br.”
- Setor Privado:
De forma semelhante o Setor Privado, em especial as EADs lato sensu, institue Códigos de Justiça Desportiva por conta e iniciativa própria, seguindo seus Estatutos ou por meio de Assembléias, Congressos Técnicos ou Conselhos Arbitrais, tendo como fundamento de legalidade a autonomia de gestão e a liberdade da prática não-formal.
Integram este universo, além das EADs lato sensu, também as Federações e Ligas não filiadas/vinculadas à respectiva EADs stricto sensu (também conhecidas como Federações e Ligas independentes ou “amadoras”), além de Grêmios, Associações Estudantis, Atléticas, Sindicatos de Clubes, Clubes Sociais, Esportivos e Recreativos, etc.
O problema é que muitas vezes, tanto o setor público como o privado, ou não observam os termos da CF/1988 e LGSD para Justiça Desportiva - elaborando códigos ao arrepio destas - ou, inversamente, entendem que estão completamente submetidos aos seus ditames, encontrando dificuldades em elaborar um Código adequado à sua realidade organizacional.
Anote-se ainda que não se trata de matéria afeta à aprovação pelo Conselho Nacional do Esporte (como no caso do CBJD), visto tratar-se de assunto de interesse local (setor público) e matéria interna corporis (setor privado).
7 ADOÇÃO DO CBJD PARA A PRÁTICA DESPORTIVA NÃO-FORMAL
Além de tudo que foi já foi colocado, outra situação que ocorre na prática (e com relativa freqüência) é que muitas entidades, afora seus destinatários originais, fazem uso do CBJD, sendo:
Submissão por convicção:
Composta por aqueles que acreditam ser este o único Código de Justiça Desportiva válido para todas as competições desportivas promovidas em território nacional, e pelos que entendem que as entidades de administração lato sensu, também integram o Sistema Nacional do Desporto, originando, assim, duas realidades distintas:
I - Validação pelo costume: Configura-se a prática da utilização do CBJD em um verdadeiro costume que atende seus fins sociais, conferindo juridicidade às suas decisões.
Obs.: - Sobre costume e fins sociais: Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito; art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
II - Insegurança jurídica: Em que pese a crença/convicção daqueles que entendem estarem submetidos ao CBJD, podem seus “jurisdicionados” compreenderem o contrário, opondo-se desta forma ao cumprimento das penas eventualmente aplicadas, buscando sua anulação pelo Poder Judiciário, fundamentando o pleito na mesma direção que demos sobre o alcance do CBJD, abrindo caminho para sustentação de teses de violação de direitos e garantias fundamentais (CF/1988, art. 5º), dentre os quais:
Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei (inc. II); não haverá juízo ou tribunal de exceção (inc. XXXVII); não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (inc. XXXIX), ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente (inc. LIII), etc.
O que se quer dizer é que, nestas circunstâncias, levada a questão ao Poder Judiciário, poderá o Juízo convencer-se pela validade dos atos praticados por configuração do costume (mantendo seus efeitos) ou da sua ilegalidade em razão da insegurança na adoção do CBJD e/ou da insubmissão aos seus preceitos (declarando nula eventuais penas aplicadas).
Submissão voluntária e consensual:
Formada por aqueles que mesmo conhecendo sua destinação, pela dificuldade em construir um sistema próprio devidamente codificado, acabam por adotá-lo por convenção mútua, ou seja, elegem ou aceitam o CBJD como instrumento normativo válido para fins de Justiça Desportiva, através de decisão tomada em Assembléia ou Congresso Técnico/Conselho Arbitral de determinada competição (devendo tal circunstância ser formalmente registrada em ata), ou até mesmo por adesão a evento esportivo com regulamento pré-definido neste sentido (muito comum em eventos abertos), conferindo juridicidade plena aos atos que venham a ser praticados neste sentido. Pode não ser a melhor técnica, mas não deixa de ser uma alternativa admissível do ponto de vista legal (não há impedimento neste sentido).
Anote-se que no primeiro caso, como existe uma crença ou convicção de que o CBJD é o instrumento legal, válido e aplicável, suas normas haverão de ser rigorosamente obedecidas (submissão total). Já no segundo caso, pelo conhecimento da destinação original do CBJD, podem aqueles que por deliberação o elegerem - ou por adesão o aceitarem - como instrumento eficaz de Justiça Desportiva, também decidir (na eleição) ou acatar (na adesão) pela mitigação de determinados comandos (submissão parcial), em especial os incompatíveis com sua realidade (ex.: composição dos órgãos judicantes), registrando os ajustes em documento próprio (ata ou regulamento).
8 PARADOXO DA PRÁTICA DESPORTIVA
Pela Lei nº 9.615/1998, encontram-se agrupadas no Sistema Nacional do Desporto (SND) as práticas desportivas de rendimento (formais). Logo, tudo que está fora do SND, não pode ser entendido como prática formal/desporto de rendimento, por maior que seja o nível técnico da atividade esportiva em análise. Ou seja, o que define o posicionamento da prática desportiva como formal ou não-formal não é a qualidade técnica do evento ou dos praticantes, mas sim a entidade que tutela a competição e os vínculos dela decorrentes.
Vejamos um caso concreto: a grande maioria dos indivíduos que disputam os Jogos Abertos do Interior do Estado de São Paulo são atletas de alto nível, participantes de competições regionais e nacionais promovidas dentro do SND (situação em que desenvolvem uma prática desportiva formal/desporto de rendimento). Porém, quando participam dos Jogos Abertos, não estão a representar seus clubes, mas sim os Municípios. Estes, assim como o Governo do Estado de São Paulo (promotor do evento), não integram o Sistema Nacional do Desporto, pelo que, referida competição não pode ser admitida como prática desportiva formal/desporto de rendimento, restando ser caracterizada como prática desportiva não-formal/desporto de participação.
Ou seja, apesar de serem praticados pelos mesmos indivíduos, o esporte assume, num e noutro caso, uma configuração completamente diferente, e a conseqüência não é apenas de ordem doutrinária, pois quando praticam o esporte pelos seus clubes (competições do SND), estão submetidos ao CBJD, enquanto que, quando participam dos Jogos Abertos, estão submetidos ao Código de Justiça Desportiva do Estado de São Paulo, além do que as penas aplicadas por um órgão - em princípio - não têm validade sobre o outro (a rigor, não se comunicam).
Outro exemplo interessante: campeonatos de categorias menores (pré-mirim, mirim, infantil, etc.) promovidos por Federações (EADs regionais stricto sensu), por mais educativos que sejam não podem ser reconhecidos como uma manifestação do desporto educacional, e ainda que tenham a finalidade de também contribuir para a promoção da saúde e da educação, também não o caracteriza - perante a lei - como uma manifestação do desporto de participação, ou seja, só pode ser reconhecido, como reconhecido é, como uma prática desportiva formal/desporto de rendimento/praticado de modo não-profissional, tanto que se submete ao CBJD, e esta é uma realidade.
CONCLUSÃO
É oportuno que nas discussões do Projeto de Lei que tramita pelo Congresso Nacional sobre o Estatuto do Desporto (legislação que pretende substituir a em análise e consolidar a matéria) sejam abordadas as questões levantadas, para que o texto da nova lei confira a clareza necessária para que os responsáveis pela prática desportiva, seja ela formal ou não-formal, possam agir com maior segurança e adotar procedimentos adequados para a Justiça Desportiva.
Urge estabelecer uma relação expressa entre a prática desportiva (formal e não-formal) e sua natureza e finalidade, evitando interpretações equivocadas.
A conceituação de entidade de administração do desporto precisa ser melhor delineada, detalhada, ainda que redundante, evitando incursões no Sistema Nacional do Desporto (SND) de entidades que não lhe são afetas, o que certamente não ocorre por má-fé, mas pela interpretação que se permite fazer da lei nos termos em que se encontra atualmente, ou que se estabeleça algum mecanismo visando a correta identificação das entidades que realmente integram o SND (certificação), afastando as indevidas e aproximando as originais, em especial as menos articuladas, para que assim possam efetivamente adequar sua Justiça Desportiva, fortalecendo-a, dando-lhe a necessária unicidade e padronização de procedimentos, consolidando os comandos da Lei e da Constituição Federal, conferindo plena coesão e evitando a insubmissão ao CBJD.
É preciso que o Conselho Nacional do Esporte manifeste seu entendimento acerca da Justiça Desportiva para a prática não formal, mesmo que seja para dizer o óbvio (arrimo na liberdade e autonomia, com respeito a CF/1988 e a LGSD no que couber), pois se trata de uma questão desportiva de interesse nacional que tem suscitado dúvidas e incertezas, zelando assim pela correta aplicação dos princípios e preceitos da Lei nº 9.615/1998, visto que estas são atribuições que lhes cabem (LGSD, art. 11, incs. I e III), pacificando a matéria e permitindo uma ação mais consistente, efetiva e orientada àqueles que têm a missão de instituí-la no âmbito da Administração Pública e das EADs lato sensu.
É um erro compreender o desporto de participação como sendo uma “pelada” de fim de semana entre amigos ou qualquer outra manifestação simples e isolada de um grupo de pessoas. Sendo o desporto de rendimento praticado em um sistema determinado (Sistema Nacional do Desporto), todas as demais atividades hão de conformar-se como tal (à exceção das caracterizadas como desporto educacional), e dentre elas existem competições de diferentes tipos, tamanhos e formas, sendo a expressão máxima do esporte como um direito social de cada um, e que de certa maneira constitui a base de lançamento de atletas para o desporto de rendimento e, por que não, de reabsorção, quando do encerramento de suas atividades de rendimento, através da participação em competições denominadas “amadoras”, especiais, abertas, para veteranos, quarentões, terceira idade, dentre outras, e isto é uma realidade.
É plenamente adequada a conceituação do “desporto de participação”, pois é isto mesmo que ele é: comum, compartilhado, genérico, abrangente, permissivo, livre e dirigido à coletividade. Modificar sua conceituação para Desporto de Lazer, como se observam algumas proposições neste sentido, constitui-se em um grande equívoco, pois remete a um entendimento de uma prática desportiva desprovida de qualquer regulamentação, executada pura e simplesmente por deleite ou recreação, situação que não corresponde com a realidade dos fatos. Até poderia se admitir o desporto de lazer como uma quarta classificação de sua manifestação, natureza e finalidade, constituindo um avanço, inclusive para melhor interpretação do desporto de participação.
Na esperança de ter contribuído, de alguma forma, no debate dos temas ligados à Justiça Desportiva e à Prática Desportiva, finalizo minhas colocações.