Jogo de Deus - Antônio Campos

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05/04/2010

Jogo de Deus - Antônio Campos

05/04/2010
Jogo de Deus - Antônio Campos

Publicado na Folha de Pernambuco - 05.04.10

Vivemos a era da velocidade e sob a pressão (opressão) do relógio. O relógio antes ficava na praça. Depois invadiu nossa casa e passou a nos tiranizar na parede. Com o progresso, foi entrando em nosso bolso e chegou ao nosso pulso. Agora está dentro do coração, onde marca o passo.

Vivemos sob o feitiço do tempo, que é um jogo de Deus. Mas é a eternidade que dá sentido à vida. Tempo é movimento. Repouso é eternidade. “A eternidade é um jogo e uma esperança”, já dizia Platão.

Rubem Alves, em seu Concerto para Corpo e Alma, apregoa-nos que: Eternidade não é o tempo sem fim [...] Eternidade é o tempo completo, esse tempo do qual a gente diz “valeu a pena”.

A mente, esse portal do ser humano, lutando para escapar do confinamento e do feitiço do tempo, insiste em resistir e produz, entre outras coisas, arte. A arte é uma tentativa de se eternizar. É uma briga do homem com a morte e com o tempo, que é um relógio mágico e trágico que marca a vida.

O sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre falou de um tempo tríbio em que o passado, o presente e o futuro estão dinamicamente inter-relacionados. Trouxe tal conceito de tempo, a partir das considerações de Santo Agostinho sobre a essência do tempo, no livro XI das Confissões - considerações que foram magistralmente sintetizadas pelo poeta T S. Eliot nos versos iniciais de Four Quartets (1943), que nos traz a seguinte mensagem: O tempo presente e o tempo passado/Estão ambos talvez presentes no tempo futuro/E o tempo futuro contido no tempo passado./Se todo tempo é eternamente presente/Todo tempo é irredimível.

Em As Emboscadas da Sorte, o escritor Maximiano Campos afirma que tudo é velho e novo, e só o tempo não tem idade. O homem carregará as lembranças do seu passado, mas será sempre novo, mesmo além da sua vontade. Ele, em texto intitulado Ladrão de Tempo, nos diz que o maior ladrão é o de tempo.

A humanidade ainda está presa a conceitos lineares de tempo e espaço. Albert Einstein revolucionariamente fundiu tempo e espaço num contínuo, que chamou espaço-tempo. Em 1988, Stephen Hawking publicou sua hoje famosa Uma Breve História do Tempo, do ponto de vista de um físico. A física quântica tenta explicar a direção do tempo.

Na presença de campos gravitacionais intensos, podem existir caminhos que levem ao passado. Por isso, é possível passar duas vezes pelo mesmo ponto no espaço-tempo. Deveríamos entender o tempo como um círculo, e não uma linha reta, como imaginou a história ocidental, e afirmar que ao caminhar para o futuro se aproxima do passado.

Proust, na literatura, escavou com profundidade em busca do tempo perdido.

Será que a vida não é buscar e mesmo perder, proustianamente, o tempo?

O poeta russo Joseph Brodsky nos instiga: quem é mais nômade, aquele que se desloca no espaço ou aquele que migra no tempo?

Na realidade, há dois modos, básicos, de percepção do tempo: o quantitativo e o qualitativo, ou melhor, o cronológico e o existencial. O modo quantitativo adota um fato como referência e um fenômeno periódico para contagem do tempo. Na cultura cristã, considera-se o ano do nascimento de Cristo como inicial e o ciclo da Terra em torno do Sol como período de um ano. O modo qualitativo considera as mudanças que ocorrem em nossas vidas. Usamos expressões como novo tempo, tempos difíceis e tempos fáceis. No filme Perfume de Mulher, o personagem cego representado por Al Pacino pede a uma jovem para dançar um tango. Ela diz que não pode porque, em instantes, irá chegar o seu noivo. E ele diz: em um instante se vive uma vida. Esse é o tempo qualitativo ou existencial. Podemos intuir o tempo como relativo ou mesmo uma ilusão.

Afinal, aprendi a contar melhor o tempo. Ele não se conta pelas folhas que secam e caem no caminho, mas pelos frutos colhidos ao longo da vida. O tempo não é mais que um momento, mas será eterno se for belo o gesto. Carpe Diem, como já disse o poeta Horácio.


 

 

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