Ficha limpíssima - João Humberto Martorelli

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25/03/2010

Ficha limpíssima - João Humberto Martorelli

25/03/2010
Ficha limpíssima - João Humberto Martorelli

Publicado no Jornal do Commercio - 25.03.10

O Projeto da Ficha Limpa é uma iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, tendo sido apresentado ao Congresso em 2009. Durante esta semana, será submetido à Câmara. Tenho cá minhas dúvidas a respeito do andamento do projeto, porque o Congresso não aparenta disposição para apreciá-lo, mas o principal objetivo deste artigo é discutir o tema da sua constitucionalidade.

Diz o projeto que seriam inelegíveis todos os que forem condenados em primeira ou única instância ou tiverem contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado pela prática de crime descrito nos incisos XLII (racismo) ou XLIII (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os crimes definidos como crimes hediondos) do art. 5º. da Constituição Federal ou por crimes contra a economia popular, a fé pública, os costumes, a administração pública, o patrimônio público, o meio ambiente, a saúde pública, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e drogas afins, por crimes dolosos contra a vida, crimes de abuso de autoridade, por crimes eleitorais, por crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, pela exploração sexual de crianças e adolescentes e utilização de mão de obra em condições análogas à de escravo, por crime a que a lei comine pena não inferior a dez anos, ou por houverem sido condenados em qualquer instância por ato de improbidade administrativa, desde a condenação ou o recebimento da denúncia, conforme o caso, até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena.

A proposta faz uma distinção entre denúncia contra mortais comuns e denúncia contra réus com foro privilegiado. No primeiro caso, somente se tornaria o cidadão inelegível após a sentença de primeira instância, independente do recurso cabível. Quando se tratasse de réu com foro privilegiado, bastaria o recebimento da denúncia pelo órgão judicial colegiado competente, sem qualquer tipo de condenação. Há nessa distinção aparente desigualdade, mas é só aparente, pois as duas classes de cidadãos efetivamente se diferenciam, não tendo a primeira exercido ou não estando a exercer cargo político, ao passo que a segunda categoria é de cidadãos que têm maior responsabilidade exatamente por terem cometido o alegado delito no exercício de cargo público. Procedente, pois, a distinção que se faz.

A crítica principal ao projeto baseia-se em suposta violação ao princípio constitucional da presunção de inocência, inscrito em mais de uma disposição constitucional (art. 5º): inciso LVII: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", inciso LIV - "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", inciso LV - "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Esses princípios constitucionais não podem ser interpretados e aplicados isoladamente, convivendo necessariamente com as regras do art. 14 da mesma Carta, as quais estabelecem as normas gerais sobre elegibilidade. De fato, entre elas, avulta o pleno exercício dos direitos políticos com a correspondente proibição de sua cassação, salvo nos casos enumerados no art. art. 15, parecendo, à primeira vista, que o impedimento temporário de um desses direitos seria contrário à norma. Mas o Parágrafo 9º do art. 14 regra que "lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta". O projeto do MCCE nada mais é do que essa lei complementar de fixação de novo caso de elegibilidade, amoldando-se, portanto, ao comando constitucional específico.

Argumenta-se ainda que o projeto daria margem a denúncias infundadas contra adversários políticos com o único intuito de alijá-los das eleições. Nada mais falso. Todos os crimes enumerados no projeto são de ação pública e as denúncias partiriam do Ministério Público. O projeto é, em suma, constitucional e, mais que isso, moralizador.
 

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