Equilíbrio, prazer e justiça - Fernando Araújo

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10/02/2010

Equilíbrio, prazer e justiça - Fernando Araújo

10/02/2010
Equilíbrio, prazer e justiça - Fernando Araújo

Publicado no Diario de Pernambuco - 10.02.10

fernandojparaujo@uol.com.br

A jornalista e escritora Danuza Leão escreveu recentemente um artigo no jornal Folha de São Paulo (O preço a pagar, 31.1.2010), que mostra o dilema do homem moderno à mesa: comer enquanto der prazer ou usar a razão, sofrer um pouco, mas manter a saúde necessária? Disse ela com razão: "um dos prazeres da vida é comer, comer o que a gente gosta". Todavia, emendou: "Escolher entre os prazeres da mesa e a vaidade é de uma crueldade que deve ter sido inventada pelo demônio". Na conformidade do seu desabafo, "As tentações estão em todos os lugares: nas fotos das revistas, nas vitrines, numa conversa no telefone". Depois de monologar o bastante e de concluir pela contradição da vida, que muito nos tenta e exige ao mesmo tempo sensatez, moderação, equilíbrio, termina sua matéria com uma pergunta que ela mesma responde: "Qual a relação entre uma caixa de chocolates e uma paixão? Teoricamente, nenhuma. Só que as duas depois que acabam, costumam deixar uma mulher devastada. No corpo e na alma".

Tudo isso mostra que a liberdade, como direito humano, não pode ser usada ao talante do seu titular, senão de forma responsável, tendo como limites a ordem moral, o bem comum e, por vezes, a ordem física. Mesmo que o prejudicado imediato seja o próprio titular de um direito. Isto porque, de forma remota, o seu excesso pode trazer consequências ao coletivo. Como no caso da obesidade mórbida, que gera custos para o sistema de saúde estatal. O exemplo do cigarro é eloquente. Até pouco tempo era vício até estimulado pelos comerciais. Fumar era motivo de charme e distinção, além de encher os cofres estatais de dinheiro, pela cobrança de caros impostos. Até que se verificasse que na relação custo/benefício os governos estavam gastando mais com tratamento dos fumantes do que recebendo das empresas em forma de tributos.

Conclusão: por vezes, o equilíbrio nas decisões, nas escolhas não é uma questão apenas do manuseio da liberdade, mas também da razão, da justiça social e por isso justifica a intervenção estatal em muitos casos. Ou seja, de quando em quando ocorrem, mesmo com o apoio de governos, a "desconstrução" (à moda Jacques Derrida) de nossas crenças e conceitos, como aconteceu com o padrão de beleza da mulher no período renascentista comparado ao de hoje. Foi pensando em fatos assim que o filósofo inglês Jeremy Bentham (1748/1832) desenvolveu a sua teoria utilitarista. No seu modo de entender, utilidade é "aquela propriedade de qualquer objeto em virtude da qual ele tende a produzir prazer, bem ou felicidade, ou a evitar a ocorrência de dano, dor, mal ou infelicidade". O slogan de sua proposta era "A maior felicidade para o maior número de pessoas". Trocando em miúdos, se fumar é prazer para alguém, mas prejudica a saúde de todos, então que se proíba o fumo em ambientes coletivos, como exatamente vem ocorrendo hoje em dia.

Numa palavra: em muitas ocasiões estaremos diante de um dilema moral, e temos que decidir "a coisa certa a fazer", sejam quais forem as consequências, mesmo ocorte de um item do nosso prazer. Então, quando não usamos bem a nossa liberdade, o equilíbrio pode ser determinado pela lei, substituindo a nossa vontade.
 

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