Artigo: Carta para meu filho

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31/07/2014

Artigo: Carta para meu filho

31/07/2014
Artigo: Carta para meu filho

Artigo publicado no Diário de Pernambuco do dia 30/07/2014, escrito pelo advogado Urbano Vitalino Neto

Faz hoje exatamente 10 anos que presenciei o tombo de um gigante. Urbano Vitalino de Melo Filho era muito mais do que um pai. Amigo e conselheiro, atuava em tudo na vida com a disposição dos verdadeiros mestres. Era um homem elegante no trato, mas sempre firme quando o momento requeria. Político no jeito de ser, mas não se dobrava diante da arrogância e da injustiça. Curvava-se apenas para agradecer. Era um homem culto, mas profundamente simples. Cidadão do mundo, mas amava mesmo era ser chamado de matuto de Garanhuns.

Eu havia decidido não escrever nada sobre ele. Sentia-me sempre fadado a incorrer no pecado da suspeição. Entretanto, após todo esse tempo testemunhando demonstrações de genuína admiração e afeto por parte de tantas pessoas (só em artigos publicados colecionei mais de 20), resolvi fazê-lo também. Não há um dia sequer que sua imagem não passeie em minha mente. Pudera! Trabalho na sala que foi dele. A mesma que fiz questão de nunca mexer. Só acrescentei porta-retratos. Um com a sua foto, e outros com fotos dos meus cinco filhos, quatro dos quais não conheceram o avô. Só a mais velha, Maria Carolina, teve esse privilégio. Tenho muitas memórias suas. Todas elas boas. Acho que as ruins, se existiram, foram providencialmente apagadas. Lembro-me com clareza de ter recebido uma carta sua no ano de 1988, quando morava em casa de parentes nos Estados Unidos. Nela, ele narrava tudo o que um filho precisa ouvir de um pai. Conselhos sábios, sempre recheados de versículos bíblicos embasando cada argumentação sua. Era um pai orientando o filho adolescente sobre o que era, verdadeiramente, ser homem e como eu deveria proceder para me tornar um. Foram algumas páginas de pura delicadeza e sobriedade, escritas por quem sempre agiu na sua vida da mesma forma que ensinou. Eu sabia que a minha missão de alcançá-lo seria inglória, talvez por isso tenha chorado tanto e tão profundamente lendo aquela carta. Ao término do meu período de estudos lá fora, vi-me com um grande volume de correspondências, enviadas por parentes de uma família numerosa. Em minha meninice, resolvi queimá-las, todas, na lareira da casa, antes de regressar. O interessante é que essa carta, especialmente, nunca me saiu da cabeça. Após a partida precoce de meu pai, tê-la queimado muito me martirizou. Queria lê-la novamente. Chorar novamente sobre ela. Mas não a tinha mais. Hoje, após 10 anos de sua partida, consegui acalmar o meu espírito. Coloquei-me a meta de tentar obedecer a sua voz, contida naquela carta. Ouço-o repetir com Salomão: “Filho meu, não te esqueças dos meus ensinos, e o teu coração guarde os meus mandamentos; porque eles aumentarão os teus dias, e te acrescentarão anos de vida e paz. Não te desamparem a benignidade e a fidelidade; ata-as ao teu pescoço; escreve-as na tábua do teu coração. E acharás graça e boa compreensão diante de Deus e dos homens. Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas.” Obrigado, pai, pelas lições preciosas.
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