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22/02/2011Água limpa, direito de todos - Ana Roberta Santos de Oliveira
22/02/2011Publicado no Jornal do Commercio - 22.02.2011
arsol1703@uol.com.br
Em viagem a Londres, há cerca de três anos, pude perceber que a convivência com certos problemas urbanos, como a poluição dos rios, não era realidade exclusiva de países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento como o nosso.
Como muitos sabem, a capital da Inglaterra é cortada por um grandioso rio chamado River Thames, para nós, simplesmente Rio Tâmisa. Por mais de um século, os londrinos vêm convivendo com o árduo desafio de revitalizar o poluído Tâmisa, para onde, historicamente, confluíam os dejetos da cidade, pela inexistência de redes de esgoto. O problema dos esgotos parece ter sido resolvido, mas os vestígios da poluição do rio ainda permanecem.
Distante cerca de 9 mil km da capital inglesa, Recife também convive com o problema da poluição dos rios, que lentamente vai matando os nossos Capibaribe e Beberibe, além dos canais e córregos que cruzam a nossa bela cidade - que, aliás, nos enche (ou nos enchia) de orgulho com o título de Veneza Brasileira, pela maravilhosa geografia fluvial e hídrica que a agracia.
O que distingue os londrinos dos recifenses, no entanto, é a consciência e o empenho que os demovem de suas cômodas "poltronas" para, literalmente, "enfiarem o pé na lama", premidos pelo nobre desejo de salvar o belo e sofrido Tâmisa, conforme demonstra o site da ONG Thames21.
Essa constatação nos leva ao inexorável questionamento: o que estamos fazendo por nossos rios? Ou, em termos práticos, qual o plano de ação traçado pelas autoridades competentes para limpar e revitalizar as águas de nossa cidade?
Não me venham, por favor, com a simplória, previsível e, porque não dizer, ingênua justificativa de que "a culpa é do povo, que suja os rios e canais", pois que o povo precisa de educação, isso é fato, mas a Constituição Federal, em seu art. 205, diz que a educação é direito de todos "e dever do Estado e da família", devendo "ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Recordo que nossas belas praias urbanas nem sempre foram tão limpas como são hoje. Muitos aqui devem lembrar que há não mais que quinze anos convivíamos com o lixo e a sujeira em suas brancas areias. No entanto, programa do governo municipal, como o que originou o jingle Vamos manter a praia limpa, jogando o lixo no saquinho vem apresentando bons resultados. Seria porque o turista frequenta mais a praia do que os rios e canais? Se for simplesmente por isso, registro mais uma vez o nosso comodismo e falta de visão empreendedora, pois qualquer país no mundo agraciado por tamanha beleza, jamais desprezaria seu potencial natural, sem investir fortemente nele com o objetivo de promover o desenvolvimento local.
Mas a questão não passa apenas pelo apelo turístico, desenvolvimentista ou paisagístico, por si só já justificadores da efetiva ação das autoridades locais. A questão é muito mais ampla, relaciona-se com o respeito ao meio ambiente, com o reconhecimento de que as águas não são objetos descartáveis, mas organismos vivos e mantenedores da vida.
Enquanto não despertarmos essa consciência, e não nos depusermos do nosso ilusório "conforto", para decidida e organizadamente exigirmos das autoridades públicas ações efetivas, inclusive "enfiando o pé na lama", se preciso, como o fazem os londrinos, não podemos nos comparar a um "povo desenvolvido", pois desenvolvimento decorre do exercício da cidadania. E água limpa é direito de todo ser vivo, não só do homem.