A volta do boêmio - Arthur Carvalho

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05/08/2009

A volta do boêmio - Arthur Carvalho

05/08/2009
A volta do boêmio - Arthur Carvalho

Publicado no Jornal do Commercio - 05.08.2009

Estou no escritório, chega Djalma Procópio. Djalma era dono da Churrascaria Riviera, pelos anos 50 a 70, época em que o velho Pina fervilhava à noite. Decorada com bom gosto por ele, artista plástico, a aconchegante Riviera tornara-se uma espécie de quartel-general dos boêmios de classe do Recife. Começávamos as noitadas na Riviera, aperitivo para as sextas-feiras dançantes do Cabanga, na sua antiga sede, onde o afinadíssimo conjunto de Inaldo Vilarim acompanhava artistas famosos daqui e do Sul, inclusive Isaurinha Garcia, Inezita Barroso e Vanja Orico, ou saíamos do Cabanga para terminar a pândega forrando o estômago na Riviera, com um esplêndido churrasco de filé na brasa.

Djalma estava sempre à frente de sua churrascaria. Grande boêmio, desses que curtem a noite mesmo, que gostam de seu "estabelecimento", se impunha nas noites às vezes violentas do velho Pina, com uma fidalguia aliada à valentia, que o tornava ao mesmo tempo estimado e respeitado, na área, apesar de franzino e de altura média.

O Pina daquela época era uma zona boêmia um tanto perigosa e da maior dignidade. Quando lisos, pendurávamos as despesas no Riviera e, no fim da brincadeira, tomávamos dinheiro emprestado a Djalma, para esticar noutras casas noturnas. E ele emprestava, sem juros e sem correção monetária.

No Riviera, assisti a brigas homéricas, inclusive o murro que Waldemar Machado deu no queixo de Vermelho, jogador do Náutico, comprado ao Vitória da Bahia, egresso do Bangu de Zizinho. Vermelho voou pela janela e aterrissou na praia onde as jangadas ancoravam. Quando Djalma achava a madrugada tediosa, promovia um "fala-pau" pra quebrar a monotonia.

Quando a noite do Pina entrou em decadência, Djalma inaugurou o Capibaribe Drinque"s, na Rua da Aurora, com sucesso. Cigano e aventureiro, mudou-se depois pra Feira de Santana, onde abriu a melhor e mais charmosa churrascaria da cidade. Casou-se, teve dois filhos, separou-se, e convidou Mary Bernadette, seu grande amor, que conhecera no Pina, pra viver novamente com ele. Nessas alturas, estava rico e comprou uma fazenda, sem energia elétrica, com dezoito quilômetros de frente.

Havia se separado de Mary, mas ela continuava a usar a aliança que ele lhe dera quando viveram juntos, antes, aqui no Recife. Passados cinco anos de separação, uma amiga perguntou a Mary porque ela ainda usava aquela aliança, e Mary: "Porque ele ainda vai voltar pra mim". E Djalma voltou, 10 anos depois.

Djalma Procópio retornou ao Recife definitivamente, faz algum tempo, e de vez em quando me visita no nosso escritório. Dessa vez, para desabafar, me comunicar a perda recente de Mary, depois de muito sofrimento. E aquele homem de pedra, de personalidade forte e valente, hoje com 86 anos, que conheci temido pelos desordeiros e malandros do velho Pina, desmoronou e chorou, sentado, diante de mim, relembrando, com saudade e emocionado, os momentos felizes que passou ao lado de Mary, sua companheira na alegria e na dor.

 

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