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01/05/2009A vítima do crime - Nilzardo Carneiro Leão
01/05/2009Publicado na Folha de Pernambuco - 01.05.2009
Quando se fala em violência, de imediato vem a ideia da existência da vítima. E também a indagação: todas as vítimas, frente à explosão da violência, tiveram um igual comportamento, agiram ou deixaram de agir de uma mesma forma? A observação mostra que as condutas podem ter sido diferentes e isso é importante para a compreensão da prática do crime.
Originariamente, vítima significava “a criatura ofertada aos deuses” mas sua compreensão, com o tempo, passou a ser a de “uma pessoa que sofre de forma injusta.” O campo metodológico de uma nova visão da violência permite a correta compreensão do que seja vítima e seu comportamento, chegando a se reconhecer que muitas vezes é ela um fator de desencadeamento da conduta criminosa. Como já foi dito, nem sempre é ela portadora de uma conduta inocente:
“O sujeito passivo, morto, humilhado patrimonial, física ou moralmente, não é sempre - nem muito menos - sinônimo de inocência. Da mesma maneira que qualquer cidadão pode chegar ao crime, com igual ou maior facilidade se pode chegar a ser vítima de um crime”. (Elias Neuman).
Estamos a viver e conviver na atualidade com uma violência que nos tem sido imposta sob as mais diferentes formas e de múltiplas maneiras, a tal ponto que se tornou um risco diário o ser vítima.
Nós não sabemos se vamos ser assassinos, mas nós sabemos que somos todos vítimas. Há sempre uma vítima de qualquer um ou de alguma coisa.” (Stanciú).
Os que estudam a vítima e sua participação maior ou menor, ou nenhuma, na explosão do crime, buscam fazer as mais diversas qualificações por conta de seu envolvimento ou não no ato de violência, desde a vítima inteiramente inocente à vítima unicamente culpada, as vítimas individuais, familiares, coletivas, difusas,vítimas da sociedade e do sistema social.
Podemos trazer exemplos reais de análise da violência-vítima nos mais diversos campos de atividade social e de comportamento individual: droga, violência e vítima; vitimização das minorias (divergências raciais ou religiosas, homossexuais, preconceitos); vítimas do e no esporte (na prática do esporte, nas torcidas organizadas ou não a se conflitarem); vítimas dos dramas familiares; vítimas do trânsito; vítimas dos meios de comunicação; vítimas de condutas de advogados, médicos, psicólogos, magistrados, engenheiros, etc: vítimas de crimes sexuais (mulheres, crianças); vítimas da destruição ambiental; vítimas da atuação ou não do fomento estatal (da economia, dos confiscos, do mercado de capitais, dos golpes financeiros, do branqueamento de capitais, da lavagem do dinheiro, do mau uso da coisa pública, etc); vítimas do crime organizado; vítimas da ação policial ilegítima (prática por agentes de prisões ilegais, espancamentos, violação de sigilos e de privacidade); vítimas do terrorismo e da ação política; vítimas, da violação dos direitos humanos e mesmo dos direitos da personalidade etc. Os exemplos, podemos buscar em nós mesmos ou em quem esteja ao nosso lado.
As novas conquistas da informática, que estão permitindo seu uso para melhoria dos negócios e comunicações, também passaram a ser utilizadas por criminosos que, estando junto na tecnologia e às máquinas, passaram a agir com suas atividades ilícitas através de múltiplas formas, fazendo vítimas que estão a quilômetros de distância.
Sempre uma vítima, na grande maioria inteiramente inocente, como nos tornamos diariamente, inclusive pela violência urbana, que está a atingir todos nós de forma inaceitável.
Há, no entanto, um comportamento censurável da sociedade, de familiares, de amigos, quando procura culpar a vítima, já atingida pelo ato de violência sofrido, fazendo-a sofrer novamente por conta de ser, ainda, responsabilizada ou mesmo motivadora da ação criminosa: “Isso jamais aconteceria comigo, porque não faria tal coisa!”; “quem manda andar só pela rua deserta!”; “não viu a moto, não viu que estava sendo seguida?”; “por que teve de sair do banco aquela hora?”; “Também, usar celular na rua...!”; “por que não vai morar em apartamento?”; “Como dirigir sem fechar os vidros do carro?”. Ou então a consolação dolorosa de quem perdeu seus pertences: “Tem nada não. Vão-se os anéis e ficam os dedos...”. É fazer a vítima ter nova agonia psíquica, com um talvez remorso, ou como se fosse uma outra agressão e torná-la a grande culpada por ter sido... vítima
“A experiência de ser vítima de um crime já é suficientemente trágica para que a sociedade precise piorá-la ainda mais com sua atitude condenatória”. (Prof. Simonos).